quarta-feira, 22 de outubro de 2014

3637) Lafferty 100 anos (22.10.2014)





Entre os centenários comemorados este ano, um dos mais obscuros está sendo o de R. A. Lafferty (1914-2002), um dos escritores mais fora-de-esquadro da FC norte-americana.  Nunca foi traduzido no Brasil, ao que eu saiba, a menos que tenha saído por um daqueles livrinhos de papel ruim da Bruguera, Cedibra, etc., nos anos 1960-70, onde muitos anos depois descobri, já sabendo quem eram os autores, livros de Ballard, Delany, Aldiss, Dick. 



A literatura de Lafferty não se parece com a de ninguém.  Ele é o que a crítica de FC chama de “oddball stylists”, estilistas excêntricos, pessoas que pensam de uma maneira diferente, escrevem de modo totalmente pessoal, e usam os temas clássicos da FC (alienígenas, universos paralelos, viagens no tempo, inteligência artificial, etc.) de uma maneira que deixa perplexos até mesmos os autores especialistas nessas vertentes.  São autores personalistas, fora de grupinhos, de escolas.



Lafferty era católico, solteirão, engenheiro elétrico, e só começou a publicar profissionalmente por volta dos 45 anos. Seus primeiros livros tinham uma mistura desnorteante entre o épico e o humorístico, sem preocupação com realismo ou verossimilhança, narrando fabulações que tinham de ser aceitas sem muito exame, como uma história contada ao pé da fogueira.  A tradição dos “tall-tales” (contos folclóricos de exageros e prodígios), a pulp fiction, a mitologia, tudo se mistura nos cerca de 200 contos e 20 romances do autor. (Veja aqui a página sobre ele: http://tinyurl.com/prmp43g.  O verbete na Wikipédia tem numerosos outros links.)



Já comentei aqui o conto Novecentas Avós (em: http://tinyurl.com/klwgb4z), da coletânea homônima.  Neil Gaiman (que é seu fã e tentou imitar seu estilo no conto “Sunbird”, em Coisas Frágeis) diz: “O que me atraiu nele foi a voz narrativa, acho; o modo como ele constrói uma história, diferente de todo mundo. A peculiar justeza de sua visão-do-mundo, e a natureza obscura dela. E as frases.” 


Num texto de 1981, Lafferty disse: “A FC sempre promete mais do que faz, e tem sempre fraudado seus consumidores com produtos de má categoria. Bem, o que ela promete é mágica e deslumbramento, porque uma história de FC ou é uma história que nos deslumbra ou não é nada. Mas esse deslumbramento é uma coisa muito rara, por sua própria natureza, e difícil de produzir. Então, se a FC falha miseravelmente em dezenove casos em vinte, ela é mesmo assim um relativo sucesso. (...)  A FC é a ponte possível entre as ‘duas culturas’, (...) entre a arte viva e a ciência viva, pois ambos os grupos perdem um pouco dessa vivacidade enquanto o afastamento entre os dois continuar existindo”.