Vocês não sabem o que são certas noites no sertão, no cariri. A noite mais estrelada da minha vida eu vi há quase trinta anos, na região dos Cariris Velhos. Éramos dois (um câmera e um fotógrafo de still) trabalhando com dois agrônomos, documentando uma região que andava subjúdice. Dormíamos na fazenda de Dom Joaquim, um velho bigodudo com ingenuidades de grandeza. Muito sol, muito trabalho, e de noite era banho, jantar e desabar logo cedo na cama. Dividíamos dois quartos de hóspedes, com luz elétrica, chuveiro, mosquiteiro (“precisa, aqui tem muito barbeiro!” disse a moça sorridente que nos entregou toalhas e lençóis).
No meio de uma noite qualquer, acordei de repente. Vozes lá
fora, no pátio. Abri a banda-de-cima da porta.
Os agrônomos, chamados Velasco e Zé Guedes, estavam fumando e
conversando, de bermuda, embaixo da cintilação de luzes mais espantosa, maior e
mais nítida que eu, pobre urbanóide habitante da placenta fluorescente, poderia
imaginar que existisse. Saímos, eu e Anacleto, o still, fomos fumar com
eles. Velasco apontou o céu: “Teve um brilho
ali. Por isso que eu levantei. Como um avião passando baixo com alguma coisa
acesa, mas sem som.” Zé Guedes
confirmou.
Eu sei que parece idiota, mas ficamos fumando, contando as
histórias mais malucas, e eu olhando aquele céu de fogo pontilhista, a arte de
coruscar no meio do nada. Parece piada
se eu disser que houve um brilho do lado de lá da colina depois do curral, e
que quatro homens juntos, mesmo morrendo de medo, como era pelo menos o meu
caso, sentem-se na obrigação moral de ir-ver-o-que-é? É quase um juramento à bandeira, um rito de
passagem; e fomos. A única coisa eu
lembro do que aconteceu em seguida é esta frase que repito há anos: “Foi como
se um tsunami de luz nos envolvesse”.