terça-feira, 13 de março de 2012
2816) Moebius (13.3.2012)
Faleceu dias atrás o grande Jean Giraud, conhecido como Moebius, um dos maiores quadrinhistas da minha memória afetiva. Conheci os desenhos de Moebius nas páginas da antiga revista Heavy Metal (que na França se chamava Métal Hurlant), e depois ele começou a pipocar no cinema, ou assinando séries próprias de histórias em quadrinhos. Meus preferidos são O Incal, com argumento de Alejandro Jodorowski, e A Garagem Hermética de Lewis Carnelian: space-operas que correspondem a um conceito proposto por Brian Aldiss, “barroco cinemascope” (“widescreen baroque”): tramas calidoscópicas em imagens gigantescas, fervilhantes de detalhes que vão do mais cientificamente plausível ao mais surrealistamente improvável. Paisagens urbanas captadas em alucinantes planos gerais repletos de personagens, gadgets, objetos, formas não-identificáveis, uma proliferação de detalhes cuja exuberância foi aprendida e expandida por outros desenhistas depois dele. Situações que mesclam folhetim e desenho animado, com personagens de romance-de-Legião-Estrangeira envolvidos em aventuras intergalácticas.
Moebius foi um desenhista capaz de começar uma história mostrando um astronauta numa paisagem bizarra... Está perdido... Aproxima-se um veículo... Descem três criaturas bizarras (cada uma diferente das outras)... Há um diálogo banal de motorista com caroneiro... Vão parar num bordel submarino ou num tiro-ao-alvo subterrâneo... E a história vai avançando meio sem propósito, meio sem enredo. Percebemos então (vi depoimentos confirmando isso) que Moebius desenhava a história quadro a quadro, sem saber o que iria acontecer no quadro seguinte. Isso dava a essas histórias um clima meio philip-k-dickiano, aquela sucessão de pequenos espantos diante do insólito, porque o próprio autor está se espantando com o que lhe vem à cabeça e à caneta.
Outra obra inesquecível é Les Maitres du Temps (1982), desenhado por ele e dirigido por René Laloux, adaptando um romance de FC de Stefan Wul chamado, na edição portuguesa da Coleção Argonauta, O Vagabundo das Estrelas, uma bela história de aventuras e de paradoxo temporal. Moebius tem aquele charme indefinível de grande parte da FC francesa, que sabe misturar, à imaginação delirante da pulp fiction, questões políticas, metafísicas ou filosóficas, coisas que assustam os norte-americanos mas os franceses tratam com a naturalidade de quem saboreia um croissant. Os franceses (Moebius é simbólico disto) nunca levaram muito a sério a colonização da galáxia (que os EUA até hoje creem ser possível). Para Moebius, de maneira exemplar, a FC estava mais próxima de André Breton do que de Wernher von Braun.
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