quarta-feira, 26 de setembro de 2012

2986) O fanático sorridente (26.9.2012)




Sou agnóstico mas considero a religião uma forma importante de conhecimento intuitivo do mundo e de relacionamento interpessoal.  Sem as religiões à minha volta, minha vida ficaria empobrecida, mesmo que eu não concorde com as premissas delas (existência de mundo espiritual, existência de seres superiores que nos avaliam e nos julgam, existência do Céu e do Inferno, etc.). Fazem parte da cultura que me cerca. Por outro lado, não preciso de religião. Para explicar o Universo, a Ciência tem me quebrado o maior galho.  Para conviver com a humanidade, tenho uma espécie de humanismo doméstico, que não queima incenso em nenhum altar.  Se um dia eu mudar de idéia e me converter a alguma fé, serei o primeiro a avisar a todo mundo. Por que não?

Aqui no Brasil, uma das primeiras providências da Casa Grande foi abrir uma capela pertinho da Senzala. Quando um povo domina e escraviza outro, não basta destruir seus armamentos, é preciso destruir seus deuses também. Os espanhóis queimaram milhares de códices maias, mas se fossem os maias que tivessem invadido a Espanha teriam feito o mesmo com as catedrais (os republicanos queimaram centenas delas na Guerra Civil). Hoje circula nas redes sociais, numa campanha contra a evangelização forçada dos índios, uma imagem orgulhosa de um jovem índio brasileiro dizendo: “Seu mito não é melhor do que o meu”. O problema é que quem acredita em mitos acha sempre que mito é só o dos outros – o seu é a verdade. A fórmula de toda crença requer pelo menos um átomo de fanatismo, porque crer é ter certeza, e o fanatismo não passa de certeza. Uma certeza ansiosa para se expandir, e que não aceita ser questionada ou relativizada pela existência de certezas opostas. Não é preciso desprezar nem odiar os fanáticos. Devemos apenas enquadrá-los, impor limites civis e coletivos a sua atuação, impedir que infernizem a vida alheia com sua hipótese de Paraíso. Podemos perdoá-los, porque é evidente que não sabem o que fazem.

Vejam bem – não falo dos caras que empunham archotes acesos e enforcam gente.  Falo dos fanáticos pacíficos, cuja única arma é o altofalante na casa vizinha bradando aleluias e hosanas. (Confesso que nessas horas quem tem vontade de empunhar archotes e enforcar gente sou eu.) Alguém já disse que fanático é um sujeito que nunca muda de opinião, nem de assunto. E vou mais além – é o cara para quem o simples fato de você acreditar em algo diferente exige que você seja imediatamente convencido a mudar de idéia. O quê? Não concorda com minha definição, amigo?  Beleza!  Fique com a sua que eu fico com a minha. Basta não tocar na minha campainha, e dar uma abaixada no som.