("Resta uma questãozinha fútil", Edward Gorey)
O que mede a qualidade de um livro? Como autor, tenho o
hábito maquinal de ver as coisas do ponto de vista do autor. Para a maioria de
nós, a perspectiva de ter um livro lido e gostado por multidões de pessoas é
uma sugestão sem nenhum defeito. Eu sou um destes, de modo que preciso de vez
em quando lembrar que antes de ser autor, e depois de deixar de sê-lo, eu fui,
e espero ainda ser, um leitor. Ser autor tem suas vantagens óbvias, mas ser
leitor tem inclusive certas liberdades que o autor nem sempre pode ter. Um
grande autor, em muitos casos, é um prisioneiro do universo que criou: Tolkien,
Lovecraft, todos os outros. Já um leitor pode viver em tantos universos quantos
encontre.
Como podemos quantificar o quanto o público gosta, por
exemplo, de “O Morro dos Ventos Uivantes”? É um melodrama vitoriano com meia
dúzia de relâmpagos góticos, e não mais que isto, mas as pessoas teimosamente
mantêm esse livro em catálogo. Recentemente, Jane Austen, autora que nunca foi
muito editada no Brasil, teve uma verdadeira explosão, devida em grande parte
ao cinema. Pois Emily Bronte era tão famosa quanto Jane Austen hoje.
Quantificar através das edições, da venda da exemplares? É o
mais cru e menos artístico dos critérios. Através de prêmios, de honrarias?
Através da presença da obra (livro, filme, ópera, quadro, etc.) nas listas dos
melhores, consistentemente, ao longo das décadas? Quantificar importância em
função da fortuna crítica, das quantidade de obras escritas a respeito? Um
olhar imparcial perceberia a persistência daquela canção ou daquele conto,
dentro da memória coletiva de milhões de pessoas, ao longo de centenas de anos.
Que melhor cacife literário do que ter escrito os “Sete anos de pastor Jacó
servia”, a Divina Comédia, “A Pata do Macaco”?
O foco não é numérico, é descritivo. Avaliar qualidade é
tentar descrever o impacto daquela obra dentro da cultura. Se foi respeitada,
se foi imitada, se foi parodiada, se foi polemizada... “Se foi premiada” ou se
“ficou entre as dez melhores” é interessante, mas o foco não é nisso. O foco é
no impacto total na sociedade, não apenas sobre a crítica. Muitas vezes o
crítico é apanhado de surpresa por uma onda artística, e isso é normal, se a
onda tem mérito sabe ser convincente, sabe suportar a rejeição inicial e ir se
impondo aos poucos.