(Cranach: Adão e Eva)
Deve ser o mais antigo começo de cantada registrado pela
História. Eu imagino o Jardim do Éden, a árvore do Bem e do Mal e à sua sombra
Eva encostada no tronco, olhando a paisagem, enrolando o cabelo no dedinho.
Adão se aproxima, cheio de pose, com aquele andar de urubu baleado, uma lata de
cerveja na mão, encosta junto dela e manda: “Oi!... Você vem muito aqui?...” e
ela: “Não... Primeira vez.”
Todo mundo, homem ou mulher, precisa puxar conversa com uma
pessoa interessante de quem se aproxima numa boate, bar, etc. A garota é
bonitinha, tem um jeito esperto, parece animada e a fim de entabular conversa.
Alguma frase tem que ser a primeira. Podemos comentar a animação da pista de
dança, o clip do telão, a temperatura da lata de cerveja... Não importa o quê:
alguma coisa tem que ser dita.
O impagável Zé Trindade das antigas chanchadas recomendava:
“O negócio é perguntar pela Maria! Todo mundo conhece uma Maria.” De fato,
basta isto para engatar um diálogo. Se a garota estiver mesmo a fim de papo com
você ela aceita até que você pergunte por Wislawa Szymborska. Mas não adianta:
a primeira coisa que vem à mente é o mais confortável dos clichês masculinos.
Encostamos na parede ao lado dela, desfechamos o olhar 43 e o sorriso 57 e
perguntamos: “Você vem muito aqui?”
Até Bob Dylan reconheceu esse arquétipo, em sua canção que
diz: “What’s a sweetheart like you doing in a dump like this?”. Mas existem pulsões inconscientes por trás
desta fórmula mágica. Às vezes o cara vem na boate de vez em quando e nunca a
viu lá. Se ela disser, p. ex., que é de fora da cidade, isso já altera o
delineamento estratégico de ação. Se ela disser que vai ali toda semana, idem,
só que ao invés de comentar o local para ela, basta pedir que ela o comente
para ele, o resto é consequência.