Comentando na revista Locus (#450, julho 1998) um livro de Frederik Pohl (O, Pioneer!), Russell Letson explica que a história é ambientada num planeta que serve como uma espécie de ponto de encontro entre diferentes raças da Galáxia, nós entre elas. O que dá origem, claro, a problemas de tradução e comunicação.
A tradução do “alienigenês” foi sempre um problema na FC.
Talvez mais no cinema do que na literatura, talvez porque é de fato meio
esquisito ver aquelas criaturas lagartiformes ou mega-antropóides exprimindo-se
no idioma de Shakespeare.
No filme Duna
de David Lynch, há uma cena relativamente bem resolvida, em que um Embaixador
(ou coisa equivalente) chega à corte do Barão Harkonnen dentro de um recipiente
ambulante contendo o ar que ele respira, e seus prepostos erguem diante do
rosto uma espécie de microfone que de um lado capta suas palavras e do outro as
reproduz em inglês. O simples fato de ouvirmos os dois ruídos, com um pequen delay, nos consola a busca de verossimilhança.
Mesmo nos melhores livros de FC é meio desanimador ver
aqueles “Congressos Interplanetários”, ou coisa equivalente, reunindo dez
espécies de diferentes planetas para debater o futuro da Galáxia – todos
falando a mesma língua e respirando o mesmo ar.
– Tenham a bondade de sentar-se – disse Biarzanoff aos marcianos.Naturalmente, havia poltronas do outro lado da sala.– Não temos o hábito de nos sentarmos.(S.O.S. Discos Voadores, “S.O.S. Soucoupes”, B. R. Bruss, trad. David Jardim Jr., pág. 68)
Com dez anos de idade, o leitor sente firmeza conceitual. E o problema do idioma? Resolvido numa cena
anterior:
Mas uma voz fez-se ouvir, uma voz estranha, metálica, fanhosa. A princípio, Koubine não notou que a voz se dirigia a ele em russo, pois as palavras vinham deformadas, e eram pronunciadas com excessiva rapidez. Mas seu espanto chegou ao cúmulo quando acabou por compreender que aquela voz dizia:– Somos marcianos. Saúde!(...) Viu, então, o marciano tirar, do cinto, um objeto parecido com um alfinete de chapéu, o que lhe causou certa apreensão, durante um momento, imaginando que aquilo fosse uma arma desconhecida. O marciano, porém, passou a ponta daquela agulha em uma das pequenas esferas, que trazia presas ao cinto, depois do que recomeçou a falar, com voz menos anasalada e mais vagarosa. (pág. 60-61)
Noutro clássico da pulp
fiction francesa a questão da tradução se coloca novamente nesse contato
entre terrestres e “estrangeiros”.
Outros corredores... outras salas... outros lugares, e finalmente chegaram a uma vasta sala de paredes de vidro grosso, banhada numa claridade suave e difusa, de origem misteriosa. O chefe e o outro aproximaram-se dos nossos heróis. Manipularam os controles da máquina e, por meio de sinais, fizeram com que Davy compreendesse que poderia falar livremente.Em palavras simples, o coronel apresentou-se e explicou de onde vinha, juntamente com seus companheiros, perguntando se as estranhas crianças, que pareciam escutá-lo com interesse, poderiam realmente compreender o que dizia.A estranha máquina desempenhava, com efeito, o papel de tradutor psíquico e desde que Davy começou a falar, os delicados mecanismos encontraram as raízes da nova língua registrada, a qual, em poucos segundos, era assimilada.Assim, por meio dos influxos psíquicos apropriados, os interlocutores de Davy compreendiam suas palavras, e o coronel, as deles. Cada palavra pronunciada era traduzida pelo aparelho numa rapidez incrível e, desse modo, era possível uma conversação normal.(A Invasão da Terra, “Fleau de l’Univers”, F. Richard-Bessière, trad. Sérgio Duarte, pág. 55-56)
A necessidade de máquinas tradutórias passa por muitas
versões na FC. Um autor não precisa inventar uma tecnologia totalmente
plausível, até porque menos plausível que a sua máquina tradutória será decerto
o seu alienígena. (Sou da corrente cética de Stanislaw Lem com relação à vida
extraterrestre – mesmo que exista, duvido que possamos nos comunicar com ela.)
No conto “Summer Frost”, o autor Blake Crouch mostra a
sua protagonista comunicando-se com uma Inteligência Artificial. Ela usa um par
de lentes de contato que lhe servem também de tela – as palavras e sinais
surgem luminosos à sua frente, como se estivessem suspensos no espaço. E seus
pensamentos são transformados tanto em sons quanto em texto escrito, para
facilitar sua comunicação.
É uma tecnologia ainda em ajustes. O implante VRD é adaptado de modo a conectar-se a eletrodos que mapeiam meticulosamente e registram a atividade da mente no momento de usar certas palavras. Assim, forma-se uma base de dados de padrões de neurossinais que numa fase seguinte são organizados em elementos de fala. Criar um link PPT é um trabalho que consome umas oito semanas, e o custo é proibitivo, pelo menos para quem não trabalha na mesma indústria.Penso minha resposta, e depois de três segundos, a frase aparece no meu campo visual. Aperto o meu polegar e indicador da mão direita para confirmar que meu pensamento foi corretamente transcrito, e envio a mensagem como foi transcrita.(trad. BT)