A maturidade de um novo meio de
expressão (p. ex., o cinema, os quadrinhos, a TV, o videogame) não é atingida
quando produz obras que atingem milhões de pessoas, ou quando ganha prêmios
internacionais, ou quando é analisada e louvada nas torres-de-marfim
acadêmicas. Penso às vezes que essa
maturidade é atingida quando esse meio de expressão começa a abrigar cada vez
mais artistas fora-de-esquadro, artistas idiossincráticos cujas obras não dá
para entender muito bem, mas são obras que inquietam, desconfortam. Não trazem
mensagens, palavras de ordem ideológicas ou fórmulas mágicas de
auto-ajuda. São obras excêntricas,
personalistas, às vezes herméticas, às vezes chocantes – mas aquele meio de
expressão está tão maduro e consolidado como arte e como mercado que essas
obras são aceitas e incorporadas ao cardápio ofertado ao público, como a coisa
mais natural do mundo.
A maturidade do cinema teria sido
alcançada, por exemplo, com os primeiros filmes surrealistas de Luís Buñuel
entre 1928 e 1930, e se mantém hoje com a obra anticonvencional e difícil de um
David Lynch ou um Raul Ruiz. Nos
quadrinhos, um sinal atual dessa maturidade é a possibilidade de ver as novelas
gráficas de um cara como Charles Burns, autor de Black Hole e agora de Toxic (título da edição
francesa). Existe muito de David Lynch nas histórias desse desenhista nascido
em 1955: a atmosfera constante de pesadelo, uma sensação philipkdickiana de que
aquilo que estamos vivendo não está acontecendo de verdade e vai ceder lugar, a
qualquer instante, a algo um pouco mais verossímil mas igualmente
delirante. Seus personagens mudam de
rosto e de traço ao longo da história, deparam-se com objetos insólitos que não
reconhecem (mas que o leitor reconhece de um trecho anterior), são assaltados o
tempo inteiro por flash-backs inexplicáveis de coisas terríveis que lhes
aconteceram, ou com as quais eles simplesmente sonharam.