Veio parar às minhas mãos a edição-ônibus de The Rim of
Morning (New York: New York Review Books, 2015), que reúne duas novelas de
William Sloane, ao que parece suas duas únicas incursões como autor de FC. Os dois livros são To Walk the
Night (1937) e The Edge of Running Water (1939). As duas
novelas vêm sendo publicadas em conjunto com o título The Rim of Morning desde
1964.
Falarei sobre a primeira delas. To Walk the Night é
contada sob a forma de flash-back por Bark Jones, um estudante recém-formado de
uma universidade na região de Nova York. O início do livro mostra Bark chegando
de carro, à noite, à casa do pai de um grande amigo seu, trazendo na mala um
vaso com as cinzas do amigo, morto alguns dias atrás no outro lado do país. A
reunião entre Bark e Mr. Lister, o pai do falecido Jerry Lister, é o tempo
presente da narrativa, que consiste na narração minuciosa, por parte de Bark,
de uma série de acontecimentos estranhos dos últimos dezoito meses, envolvendo
os dois amigos recém-saídos da faculdade, um professor que fazia pesquisas
obscuras sobre o espaço-tempo, e a misteriosa esposa deste.
Um dos aspectos mais interessantes de flashbacks deste tipo
é que, como se trata de uma narração verbal, ela admite de vez em quando (e
Sloane faz uso consciente disso) interrupções do flashback para o retorno ao
tempo presente, quando os personagens trocam impressões e comentários sobre os
fatos passados. Em alguns casos, nas histórias mais pulp fiction, este
artifício é usado para fornecer explicações sobre o enredo, explicações que o
autor teve dificuldade de encaixar na ação da narrativa e preferiu dar de graça
ao leitor usando falas do personagem-narrador.
Não é o que faz Sloane. Os comentários entre Bark e Mr. Lister
esclarecem detalhes dos acontecimentos passados mas, de um modo geral, fazem
alusões incompletas a outros fatos ou circunstâncias, o que aumenta o mistério
e o suspense narrativo. É uma dessas histórias cheias de referências indiretas
ao futuro, do tipo “Naquele instante, não percebi a importância deste pequeno
detalhe”, ou “Eu não poderia saber as consequências que esse fato aparentemente
banal iria ter dias depois”. Bem usado, esse artifício é um gancho poderoso
para prender o leitor até que sua curiosidade seja satisfeita.
Não revelarei muita coisa do argumento, para não dar spoilers
aos dois ou três leitores que talvez venham um dia a ler o livro. Que vale a
pena, sim. A história lembra, por um certo ângulo, o filme Lifeforce
(Tobe Hooper, 1985), inspirado no romance de Colin Wilson The Space Vampires
(1976), onde a bela Mathilda May encarna um ser alienígena que suga com
indiferença a vida dos humanos com que se defronta. Lembra também aqueles
contos de Lovecraft onde, depois que algum fato espantoso provoca uma tragédia
sem explicação, alguns personagens se reúnem e comparam lembranças, tentam
encaixar as peças do quebra-cabeças para entrender o que aconteceu. Também
lembra (muito) o Arthur Machen de The Great God Pan (1894), que provavelmente
lhe serviu de inspiração.
Uma história lovecraftiana, mas o que assombra, mais do que
o enredo, é a prosa límpida e clássica de Sloane, um autor de quem eu nunca
tinha ouvido falar. Não lembro de muita gente na FC de 1937 que escrevesse tão
bem quanto Sloane neste livro. Lembra a prosa limpa-de-exageros de Heinlein,
mas Heinlein só estrearia dez anos depois. E tem um certo tom clássico, talvez
mais britânico do que norte-americano, o que me leva a achá-lo muito mais
próximo de autores ingleses dos anos 1930 como Aldous Huxley e Olaf Stapledon
do que com os grandes nomes da FC norte-americana da época, que seriam talvez
E. E. Doc Smith, Stanley Weinbaum, A. Merritt, o próprio Lovecraft... Todos podem ganhar no quesito imaginação,
mas nenhum, me parece, escreveu tão bem, de forma tão clara, expressiva,
controlada, quanto Sloane. Se me dissessem que o livro é de hoje, eu poderia
acreditar.