quarta-feira, 9 de novembro de 2011
2709) A Tortura em Ostimburg (9.11.2011)
Por três vezes em minha vida visitei Ostimburg, aquele principado balcânico cujos vorazes desfiladeiros adornam cartões postais. Há quase um século aquela nação conhece uma paz ignorada pelas democracias do Ocidente, graças ao íntegro regime instaurado por Rabidovic I, que soube guiar seu povo com os cuidados de um pastor e a firmeza de um lobo. Na minha primeira visita a Ostimburg, aos 19 anos, foi-nos (a um grupo seleto de estudantes ocidentais) permitido conhecer os recentemente instalados Jardins do Perdão. Que não eram jardins, tecnicamente falando, mas aquilo que em outras circunstâncias teríamos denominado de calabouços subterrâneos, onde os inimigos do povo recebiam sua paga. Vimos, cela após cela, os complicados aparatos eletro-mecânicos; os foles-sanguessuga; as clarabóias-lupa; os poços-ampulheta, onde uma finíssima areia dava aos réus o tempo exato para uma autocrítica final. Nenhum condenado (disse-nos o guia) passava ali mais de três dias sem que a Natureza tomasse a iniciativa misericordiosa de perdoá-lo para sempre.
Voltei a Ostimburg aos 43 anos, como adido cultural de nosso país, e, nos intervalos da minha missão, matava as saudades de alguns ambientes que tinham me impressionado. (Os cafés são tão bons quanto os turcos, os bordéis superiores aos tailandeses.) Visitei os Jardins do Perdão, e vi que haviam evoluído. Agora, a intenção era impedir o desenlace. Como os dissidentes nunca passavam de algumas centenas, era possível preservar-lhes indefinidamente a vida, fazendo com que as máquinas omitissem com mestria todos os pontos vitais. Transfusões, comas induzidos, UTIs adaptadas, tudo conspirava para que aqueles réus estivessem recebendo há décadas os benefícios da arte da aprender na própria carne.
Agora, aqui estou pela terceira vez, aos 76, como convidado do jovem Rabidovic II, redigindo minhas memórias de diplomata. E os Jardins tornaram-se algo semelhante a um retiro ou spa. Não mais que trinta traidores da pátria sobrevivem, cada qual em sua cela. Celas amplas, dotadas de uma multiplicidade de aparelhos da mais avançada tecnologia. Prescindem de guardas e de carcereiros. Décadas de sofrimento contínuo os prepararam. Todo dia acordam, tomam um desjejum frugal, e eles mesmos se manietam e se plugam às engenhocas; eles mesmos manipulam os botões de controle; eles mesmos acionam os dínamos, as autoclaves, as vagarosas prensas, os tornos e parafusos, os velcros esfoladores, as espumas corrosivas. Há anos, nenhum guarda desce àquele subsolo que cheira a sangue e creolina, e onde os pecadores administram e refinam, dia após dia, seu pedido permanente de perdão.
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