sexta-feira, 9 de outubro de 2015

3941) O assalto na van (10.10.2015)



Na barreira policial deu logo problema. Todo mundo estava com a papelada em dia, o carro estava regularizado, mas o equipamento de gravação macro exigia um documento que não tínhamos. Viraram-se todos para mim, mas eu disse: “Vocês me deram a lista do que era para providenciar, e eu providenciei. Ninguém me pediu para trazer isso aí.”  Eu tinha pedido que não me botassem nem como tesoureiro nem como “roadie” do grupo, quanto ao mais toparia até ser o janitor. Me botaram como o burocrata tecno.

Por fim fomos conferenciar, voltamos com os bolsos mais leves e a cancela se abriu. Pegamos o primeiro trecho, a via costeira que ia dar nos primeiros subúrbios de Vequiné. Ciço Fotógrafo disse que tudo que tinha trazido estava no seguro. A parte de iluminação, lâmpadas, rebatedores, e tudo o mais, a gente tinha pegado emprestados. Essa parte não estava.

Adiante, uma policial, num sotaque quase ininteligível, disse com abundância de gestos que parássemos para a revista. Descemos todos, acendemos um aliviante, ela fumou também, mexeram em tudo e não acharam nada. Ela nos preveniu que ali perto da fronteira estava havendo assaltos. Grupos de homens entravam como passageiros nas vans públicas, como se não se conhecessem, e a certa altura do trajeto rendiam todo mundo. Ela falou que às vezes bastava a uma van quase cheia dar carona a um jovem e inofensivo casal para ir parar no meio do mato.

Não foi um casal que pediu carona, foram dois homens, o mais velho e de chapéu mole tratando o outro como se fossem parentes, o outro carrancudo e iracundo, sem dizer uma palavra. Iam pegar um voo, a carona com que contavam tinham falhado, estavam ali há horas. Perguntei pela bagagem, disseram que estavam só com as mochilas, era um passeio.

Sentaram junto de Anselmo do som, que em minutos extraiu a ficha de cada um. Poderiam ser pai e filho, mas na verdade eram irmãos a longa distância, com uma geração inteira a separá-los. Sócios numa pequena firma de engenharia. O velho era rico e sovina, o jovem era indolente e perdulário. Olhamos mas não pareciam estar armados. Não reagiram quando puxamos as nossas armas. Não disseram nada quando os levamos para o mato. Pareciam não estar acreditando, pareciam já ter se resignado a perder o voo mas se desinteressado de todo o resto. O velho trazia metais preciosos e neutros nas vestes, trançados ao algodão. O terno dele devia valer uma fortuna. O outro não sabia de nada, e ao ouvir nosso técnico explicar tudo seus olhos pareceram saltar das órbitas. Fizemos um curta usando os dois, ensacamos os corpos, jogamos no mangue e o terno rendeu duas semanas de férias para a equipe.