Pra quem não sabe do que se trata: o mote é um tema que se propõe ao poeta, em geral sob a forma de um ou dois versos que fornecem um assunto a ser desenvolvido até completar uma estrofe de dez versos, que segue um esquema de rimas obrigatório.
Desse modo, glosar um mote é fazer uma parceria momentânea, em que você me lança um desafio, fornecendo essas linhas (que deverão ser o final do verso, da estrofe) e eu aceitarei o desafio, improvisando na hora outros versos que desenvolvem o assunto até chegar nos versos que recebi.
Isso é a cara do Nordeste? É a cara do Brasil
antigo, um Brasil que já houve, e que no Nordeste se manteve vivo, ao
contrário, por exemplo, do Rio de Janeiro.
No conto “Um erradio” (Páginas Recolhidas, 1899) Machado de Assis mostra estudantes cariocas propondo a um amigo o mote “Podia embrulhar o mundo / a opa do Elisiário” (meu comentário sobre o conto, aqui: http://tinyurl.com/nlqsjep).
No conto “Um erradio” (Páginas Recolhidas, 1899) Machado de Assis mostra estudantes cariocas propondo a um amigo o mote “Podia embrulhar o mundo / a opa do Elisiário” (meu comentário sobre o conto, aqui: http://tinyurl.com/nlqsjep).
No capítulo XII (“Um episódio de 1814”) de Brás Cubas ele descreve o Dr. Vilaça, “glosador insigne”, num ritual
semelhante ao que vejo ainda hoje em qualquer mesa de glosas em Campina ou no
Pajeú:
“Lembra-me, como se fosse ontem, lembra-me de o ver erguer-se, com a sua longa cabeleira de rabicho, casaca de seda, uma esmeralda no dedo, pedir a meu tio padre que lhe repetisse o mote, e, repetido o mote, cravar os olhos na testa de uma senhora, depois tossir, alçar a mão direita, toda fechada, menos o dedo índice, que apontava para o teto; e, assim posto e composto, devolver o mote glosado.”
“Lembra-me, como se fosse ontem, lembra-me de o ver erguer-se, com a sua longa cabeleira de rabicho, casaca de seda, uma esmeralda no dedo, pedir a meu tio padre que lhe repetisse o mote, e, repetido o mote, cravar os olhos na testa de uma senhora, depois tossir, alçar a mão direita, toda fechada, menos o dedo índice, que apontava para o teto; e, assim posto e composto, devolver o mote glosado.”
E hoje, procurando outra coisa nas Memórias da
Cidade do Rio de Janeiro (1955) de Vivaldo Coaracy, encontro este episódio
saboroso:
"Eram as freiras [do convento] da Ajuda carinhosamente benquistas pela população carioca que as tinha em alta estima. Não as impediam a clausura e a sua devoção de serem alegres. Por ocasião de certas festividades religiosas, atiravam elas, pelas janelas, rebuçados, biscoitos e outras guloseimas aos grupos que se formavam em frente ao mosteiro. Nem só doces e balas jogavam. Com frequência atiravam pelas grades do locutório papeluchos em que vinha escrito algum mote, em desafio a ser glosado por qualquer poeta presente. E nunca faltavam vates para, entre aplausos ou apupos, improvisar as glosas sugeridas”.
"Eram as freiras [do convento] da Ajuda carinhosamente benquistas pela população carioca que as tinha em alta estima. Não as impediam a clausura e a sua devoção de serem alegres. Por ocasião de certas festividades religiosas, atiravam elas, pelas janelas, rebuçados, biscoitos e outras guloseimas aos grupos que se formavam em frente ao mosteiro. Nem só doces e balas jogavam. Com frequência atiravam pelas grades do locutório papeluchos em que vinha escrito algum mote, em desafio a ser glosado por qualquer poeta presente. E nunca faltavam vates para, entre aplausos ou apupos, improvisar as glosas sugeridas”.