Fred Ward, que interpretou Henry Miller em Henry and June, é o detective Lovecraft,
que, de acordo com o clichê básico do filme de detetive hardboiled, é contratado por um milionário para descobrir um livro
raro que foi roubado de sua biblioteca, o Necronomicon.
Como o Necronomicon,
aqui em nosso mundo, é uma invenção do escritor Lovecraft, cria-se aí uma situação
próxima da sátira ou da paródia, e o filme adota essa cadência em muitos
momentos, principalmente quando aparecem monstrinhos que, longe de evocarem o
horror lovecraftiano, adotam o visual sessão-da-tarde dos Gremlins (1984) de Joe Dante.
A história vai se desenrolando de clichê em clichê: David
Warner no papel do milionário ansioso para fazer um pacto com as criaturas das
trevas, Clancy Brown como o ex-policial que virou gangster bem sucedido e dono
de nightclub, Julianne Moore como a mulher-com-um-passado que oscila entre o
detetive e o gangster, Alexandra Powers como a filha donzela mas sapeca do
milionário.
O filme está aqui, em versão dublada:
https://www.youtube.com/watch?v=jLj6txDulCU
Todo clichê cinematográfico é um velho amigo, e é bom
quanto podemos sorrir ao reencontrá-los.
O fato de nesse universo os zumbis estarem sendo usados
para trabalhar na construção covil também é um detalhe mostrado en passant, mas com um efeito legal.
E há um aspecto com uma sutileza adicional, que mereceria
estar num filme com perfil semelhante mas menos brincalhão, porque toca numa
questão ampla do gênero policial, do gênero fantástico. É a presença pervasiva
da magia nesse mundo. Quando o milionário recebe o detetive em sua biblioteca,
faz um exame rápido, e se maravilha:
– É verdade!... Sem símbolos, sem talismãs e sem
fetiches, nada! Você realmente não usa nada, nenhuma mágica, quero dizer.
– Como falei ao telefone.
– Não acredita em magia?
– Acredito. Só que não uso.
– Por que?
– Razões pessoais.
– E elas são...?
– Pessoais.
É uma cena curta que parece tirada diretamente de uma
aventura de Philip Marlowe. O detetive criado por Chandler é um homem pobre (40
dólares por dia, mais despesas), mas honesto. Todo mundo na Califórnia usa a
corrupção e o roubo, e Marlowe não. Por que? Ele é santo, é religioso, é um
cara moralmente superior? Nem tanto, porque Marlowe mente, engana, suborna, ameaça...
Mas é honesto. Por que? Razões pessoais.
Usar a magia é um pouco como usar a desonestidade, é um
pouco como trapacear, violar as leis (no caso, as leis da Natureza) em
benefício próprio. Os detetives do mundo hardboiled, de um modo geral,
mantêm-se honestos, ou pelo menos mais honestos do que os políticos, os
banqueiros, os industriais e os policiais com quem convivem (para não falar nas
cantoras de cabaré que casam com milionários). Existe uma “mágica” especial no
seu mundo, mas eles não usam.
Feitiço Mortal
tem momentos sérios, momentos divertidos onde existe essa superposição de
clichês vistos com “lentes de diferentes cores”, momentos meio bobinhos quando
alguém vai enfrentar a Besta do Apocalipse e quem aparece é um Gremlin do
Projac. O elenco se sai bastante bem da brincadeira, sem a levar muito a sério
mas todos dando a impressão de que estão se divertindo e não apenas cumprindo
cronograma.