Ainda vou
escrever um conto futurista sobre uma sociedade onde várias drogas são
proibidas a-ferro-e-fogo pelo Estado, entre elas café e açúcar. Não existe estimulante mais poderoso, não é
verdade? Vai que de uma hora para outra
a gente acaba votando (por motivos totalmente outros) num Congresso Nacional
cuja maioria é composta de pessoas para quem nada pode haver de mais terrível e
imoral do que a absorção dessa infusão negra e tenebrosa (dirão eles),
demoníaca (dirão seus teólogos), viciante (dirão seus médicos).
Vôte! Ainda bem que vivemos numa democracia. Posso todo dia encher minha caneca fumegante
e sentar aqui folheando Balzac, um adicto famoso. Em seu texto de 1838 “Tratado dos Estimulantes Modernos” (aqui,
em francês: http://tinyurl.com/7acapw2)
ele fala das cinco substâncias de excitação artificial: o álcool, o açúcar, o
café, o chá e o tabaco. É um texto que
antecipa o texto famoso de Baudelaire, Os Paraísos Artificiais (1860), onde o
poeta fala do vinho, do ópio e do haxixe.
Balzac era
um cafezeiro hardcore, e sugere variadas maneiras de preparar a beberagem (ele
é um dos que consideram uma heresia você jogar água fervendo em cima do pó – a
água deve estar apenas quente). E
depois de comparar várias maneiras de administração do café ele diz: “Por fim,
descobri um método horrível e brutal que recomendo apenas a homens de excessivo
vigor. (...) É o uso de café
pulverizado muito fino, concentrado, frio e com pouca água ou nenhuma,
consumido de estômago vazio.” Ele
explica que nessas circunstâncias o café é total e rapidamente absorvido pelo
estômago, e a consequência imediata é o aumento da atividade cerebral, que ele
descreve com metáforas militares:
“Logo as
idéias se põem em marcha, como esquadrões de um exército se espalhando no campo
de batalha, e a guerra principia. As lembranças fazem sua carga, com os
estandartes tremulando; a cavalaria das metáforas se apresenta com seu magnífico
galope; a artilharia da lógica avança com um clangor de máquinas e de munições;
a uma ordem da imaginação, os atiradores de elite fazem mira e disparam; formas
e silhuetas e personagens ficam prontos; o papel se cobre de tinta, porque essa
vigília se abre e se fecha com torrentes dessa água negra, tal como uma batalha
se inaugura e se encerra com o negror da pólvora.”