Eu tinha perdido no Rio de Janeiro esta exposição de desenhos de Saul Steinberg, As aventuras da linha, mas paguei essa dívida a mim mesmo indo vê-la na Pinacoteca de São Paulo.
Quando estou sacolejando num metrô ou num ônibus rumo a um museu fico me perguntando por que diabo me dou esse trabalho todo na era da Internet, quando basta clicar um “abre-te sésamo” qualquer para que tudo apareça pixelando em nosso monitor.
Uma das respostas possíveis, no presente caso, é que nenhum monitor pode dar uma sensação equivalente a ver uma faixa de papel com quatro metros de comprimento em que Steinberg traça uma linha horizontal e a vai recheando e rodeando de imagens, como numa imensa Tapeçaria de Bayeux que se desenrola diante dos nossos olhos.
A faixa começa com o desenho de uma mão que empunha a caneta e traça essa linha horizontal que sucessivamente se torna o chão de um desenho, o céu de outro, o horizonte de outro, a linha do mar em mais um, uma balaustrada, um meio-fio, sempre a mesma linha que corre horizontalmente e é cooptada por uma série de imagens, cada uma dando a ela uma leitura diferente.
Esta é apenas uma das muitas magias do Rei do Traço, o romeno que por ser judeu teve que fugir da Europa e buscar refúgio nos EUA, onde se tornou um dos mais famosos ilustradores e capistas da revista The New Yorker.
Conheci o trabalho dele nos anos iniciais do Pasquim, quando Millor Fernandes, Ziraldo e outros reproduziam seus desenhos e entoavam alalaôs ao mestre. Mestre deles, virou mestre meu também; mesmo quem não é desenhista pode absorver da linha enxuta de Steinberg alguma coisa para sua escrita, assim como um músico pode lucrar o mesmo para o seu piano (eu diria que foi o caso de Erik Satie, se um não fosse tão anterior ao outro) e até um jogador de futebol pode usar algo em seu trato com a bola. (Eu diria que Sócrates, Zidane e Paulo Henrique Ganso têm momentos verdadeiramente steinberguianos.)
A exposição em SP traz numerosos exemplos das famosas séries em que Steinberg pega um tema (um cowboy; uma perua; uma passeata; um gato; um casal; um casaco de peles) e o reproduz incansavelmente, cada exemplo com um tracejado diferente que sugere diferentes interpretações visuais, leituras críticas, piscadelas irônicas, citações rebuscadas, ou apenas (e sempre) o mero prazer de desenhar.
Vi na exposição montes de crianças, acompanhadas pela professoras, deitadas no chão da Pinacoteca, lápis e bloquinho na mão, copiando, imitando, parodiando e distorcendo os desenhos do mestre. E vivendo na idade certa a descoberta do prazer de desenhar, um reino onde as possibilidades, como sempre, são infinitas.