terça-feira, 12 de novembro de 2013

3342) Cinema Paralelo (13.11.2013)



(Shane Smith) 

A cada dia que passa eu acho a Rússia o país mais bizarro e mais interessante do mundo. Eu não moraria lá nem com uma bolsa milionária, mas o laboratório de situações terminais em que se tornou o antigo Império dos Czares e antiga União Soviética é um espetáculo fascinante para quem curte “o estranho, o bizarro, o inesperado”.

Vi o documentário Cinema Paralelo (http://bit.ly/PlUJ3I), com cerca de meia hora, sobre o cinema “underground” que floresceu no país nos anos finais da URSS, botou a cara pra fora meio timidamente nos anos Gorbachev, e agora sob a ditadura de Putin está retornando aos subterrâneos onde nasceu e se criou.

O Cinema Paralelo era um tipo de cinema propositalmente malfeito, “trash”, amalucado, surrealista, indecente, grosseiro. A certa altura do documentário de Shane Smith e Eddy Moretti, um entrevistado diz: “A Rússia tem uma arte ‘underground’ extraordinária, e uma arte oficial terrível.”  Boris Yukhananov, os irmãos Igor e Gleb Aleinikov (o primeiro, já falecido; o segundo, hoje diretor da segunda maior estação de TV do país) fizeram filmes chocantes, anárquicos, que Shane define assim: “Gente maluca fazendo filmes malucos baseados em teorias intelectuais ultra-radicais”.

Oleg Kulik é um artista performático que fez parte desse movimento (ele viajou pela Europa interpretando o papel de um cachorro: nu, puxado pela coleira por um assistente). Agora, fundou uma religião, da qual é o Messias: a Religião do Nada. Quem continua na ativa é Yvgeni Yufit, criador do “Necro-Realismo”. No período comunista, não era permitido mostrar a morte, mostrar bundas, mostrar infelicidade. Assim, Yvgeni decidiu colocar todas essas coisas nos seus filmes. Teve filmagens interrompidas, filmes apreendidos, mas de um modo geral ele e seus colegas eram considerados apenas idiotas e malucos.    

Um dos subgrupos mais interessantes é o Cinema Álcool, “Alcho-Cinema”. Segundo Andre Silvestrov, é “um projeto conceitual na fronteira entre arte, entretenimento e álcool”. Seu colega Pavel “Pasha” Liabazov sugere: “E sócio-arte”. Depois, Silvestrov completa: “É uma alternativa à pornografia do Ocidente.” Em que consiste o Cinema Álcool? Eles juntam numa sala um grupo de seis a dez pessoas (sempre homens, ao que parece) e essas pessoas começam a beber e conversar sobre tudo: política, arte, cinema... E não há câmera. Pelo menos no dia em que a equipe de Shane Smith registrou uma filmagem do Cinema Álcool, somente as câmeras dele próprio estavam presentes. Fica a impressão de que é algo na linha do Cinema Espiritual Paraibano dos anos 1960: o pessoal num bar, bebendo e descrevendo o filme que tem na cabeça.


3341) Nossas editoras (12.11.2013)




Todo autor tem problema com editoras, mas esses problemas são de natureza variadíssima, tipo “cada caso é um caso”, e não se resumem ao cansadíssimo clichê do editor gordo, de cartola, fumando charuto e surrupiando os direitos autorais do autor que escreve à luz de velas num sótão gotejante. Não é assim. Os problemas são muito outros.

Contarei dois problemas que tive com a Editora Rocco, à qual aliás sou muito grato por ter publicado três livros meus: A Máquina Voadora (1994), A Espinha Dorsal da Memória / Mundo Fantasmo (1996) e O Anjo Exterminador (2002).  Quando penso nessa editora, mais do que numa empresa penso no papo amigo e inteligente de Vivian Wyler, Ana Duarte, Bebeth Lissovsky, e do falecido e admirável José Laurênio de Melo.

Mas vejam como o mecanismo de uma editora grande pode se tornar uma coisa desajeitada, paquidérmica, kafkeana.

Anos atrás eu precisei de exemplares da Espinha... É praxe contratual que o autor possa adquirir seus próprios livros com um desconto no preço de capa. Digamos que eu precisasse pagar apenas 40% disso; num livro com preço de capa de 40 reais, eu pagaria apenas 16 reais por cada um. Liguei para o depto. comercial da editora, encomendei uns dez ou vinte exemplares, paguei os 16 (ou equivalente). Dias depois, achei numa Siciliano o mesmo livro, com preço de capa de 9,90. Por que o Depto. Comercial não me disse que estava liquidando o livro? Como autor, tenho o direito de saber. Se a Siciliano estava vendendo a R$ 9,90 deve ter comprado por um décimo disto. Mas a editora não me disse nada. Só para que eu pagasse os 16,00 reais por exemplar, bancando o otário? Não é possível.

Esta semana, recebi a prestação de contas de O Anjo Exterminador, meu livro sobre Luís Buñuel, e vi que os 450 últimos exemplares do livro foram vendidos a alguém por R$ 1,75 (um real e 75 centavos) cada um. Mais uma vez a editora foi burra. Se tivessem me ligado e pedido uma oferta, eu sou tão ingênuo que teria pago talvez 5 reais por cada livro, pensando em vender por dez.

O modelo de ação das grandes editoras, no entanto, dificulta o diálogo direto, as pequenas atenções e gentilezas. Não dá para lembrar de negociar cada detalhe com cada autor, são centenas de autores, às vezes mais de mil. Quando é preciso abrir espaço no armazém, é contraproducente ficar ligando para cada uma daquelas pessoas: “Você se interessa por essas sobras-de-estoque?...” É este o termo técnico para aquele livro sobre o qual você suou e se desesperou em vão durante um ano. É tudo muito rápido, muito atropelado, muito mal feito, muito mal resolvido, muito mal educado.