Eu era príncipe. Disseram-me desde cedo que eu estava sendo
preparado para mandar. Um desejo meu era uma ordem. A ordem, às vezes, nem precisava ser dada: eu
pequeno erguia o dedo, e era como se tivesse desferido uma seta. O que eu apontava
era trazido e posto aos meus pés, rodeado de olhares expectantes. Para eles, se
eu, com cinco anos de idade, apontava algo, era porque havia um relâmpago do
sagrado comandando aquele gesto, havia uma orquestração de vibrações divinas
focalizando meu olhar e meu desejo naquele objeto. Eu apontava, ordenando. Eles
traziam, colocavam aos meus pés e diziam: “Sim, majestade”.
Dizem que a infância é o melhor da vida, e que nada no
presente se compara ao que nos ficou para trás. Entrar na adolescência foi para
mim o difícil treinamento de viver num mundo que, estranhamente, se recusava a
se dobrar ao meu reinado. Eu dizia: Não quero que chova amanhã; e chovia. Eu
jogava uma pedra para cima e dizia: Eu não quero que ela caia; e ela caía. Eu
chicoteava os servos, cuspia de fúria, babava de revolta; havia certos setores
do mundo que não me reconheciam como rei.
Devo dizer que isso me entreteve durante anos? Que isso
exauriu minhas forças, estragou o melhor de mim? Não vi a queda lenta do
império que me cabia comandar. Vi o reino, o meu reino, se extinguir; vi a vida
do mundo se esvair; vi um mundo tão selva em seu lugar. Os incêndios lavraram
na medula das minhas fortalezas, dos meus refúgios. Vi meu povo de joelhos
diante de alguém, dando-me as costas. As correntes da escravidão nos sujigaram
a todos. Fomos levados a um cativeiro distante num lugar inóspito onde os
pássaros bicavam sem motivo o nosso rosto. Lavramos pedras, quebramos rochas,
nenhum dos escravos sabia que escravo era aquele, tão silente. O que me consolava
era erguer a marreta e pensar: “Quebra, pedra” – e a pedra quebrava.