sábado, 30 de novembro de 2013

3357) Manly Wade Wellman (30.11.2013)




Mesmo nos EUA a obra deste autor não recebe a atenção que merece. Ele fez sua carreira nos pulp magazines dos anos 1930-40. Escreveu ficção científica, terror, fantasia, história de boxe, histórias de aventuras. Fez roteiros para histórias em quadrinhos, e foi um dos primeiros roteiristas do Capitão Marvel. No número 1 da revista assinou seu nome de uma maneira engenhosa (e cordelista): colocou cada letra como a inicial de cada um dos balões de diálogo. Anos depois, numa briga judicial envolvendo Superman e Capitão Marvel (o primeiro acusou o segundo de plágio) Manly pôde, com isto, provar no tribunal que tinha sido um dos roteiristas.

Foi um grande conhecedor do folclore norte-americano, da tradição dos índios e dos primeiros povoadores da América. Sua série de histórias ambientadas nos Montes Apalaches, tendo como protagonista John the Balladeer, ou “Silver John”, é uma excelente exploração desse material. John é um cantador andarilho ao estilo Woody Guthrie, que, levando às costas seu violão de cordas de prata, por onde passa vai se metendo em confrontos com o sobrenatural e resolvendo-os, muitas vezes, com a ajuda de seu conhecimento da literatura oral e de livros básicos (cujo conhecimento é perfeitamente plausível no ambiente social descrito) de alquimia, ocultismo, etc.

A excelente coletânea Who Fears the Devil? (1963) e os romances The Old Gods Waken (1979) e After Dark (1980) são os livros que li, e existe neles uma originalidade de ambiente e de voz narrativa que não tenho encontrado em outros autores de fantasia norte-americana (se alguém souber, favor me indicar). Na literatura fantástica dos EUA parece haver uma certa resistência a histórias inspiradas no folclore local. O leitor norte-americano parece achar mais nobre (ou mais escapista) uma fantasia baseada em elementos europeus: célticos, nórdicos, arturianos, etc.

Seu websaite (http://www.manlywadewellman.com/) traz um rico material biográfico, falando inclusive no episódio em que ele ganhou um concurso de contos policiais no Mistério Magazine de Ellery Queen, deixando William Faulkner em segundo lugar. Manly nasceu em Angola, onde seu pai era médico numa missão, e as histórias que ouviu na infância (só foi morar nos EUA aos seis anos) influenciaram seu interesse posterior pela literatura oral. Ele foi, na fantasia norte-americana, um representante daquela “Invisible Republic” que Greil Marcus estudou em seu livro homônimo sobre as raízes da música de Bob Dylan e The Band no álbum The Basement Tapes e sobre a Antologia da Música Folk compilada por Harry Smith. Uma conexão que, mesmo nos EUA, continua pouco estudada.


sexta-feira, 29 de novembro de 2013

3356) Gambiarra (29.11.2013)



Gambiarra é gato, é ligação clandestina, é fiação descoberta, é improvisação informal ligeiramente abaixo do piso de legalidade imposta aos autônomos em geral. 

Gambiarra é arranjo, é ajuste, é quebra-galho, é um pra-ver-se-cola alicerçado pelo norrau de quem faz isso o tempo inteiro.

Na minha infância, “gambiarra” eram aquelas cordas esticadas no ar, com lâmpadas penduradas, numa praça onde ia haver um comício, numa festa ao ar livre, etc. Este me parece ser o sentido português do termo, porque a Wikipédia registra: “Em Portugal, o significado predominante seria ‘extensão de luz’. Entre outros significados, destacam-se ‘ramificação de luzes’ (Ferreira, 1999)”. 

Uma definição em inglês que vi recentemente circulando nas redes sociais diz (tradução minha): 

“Gambiarra é uma definição brasileira para o desvio informal de conhecimento técnico. É uma prática cultural generalizada, que consiste em todo e qualquer tipo de soluções improvisadas para problemas do dia-a-dia, com qualquer material que se tenha à mão”. 

Entre os sinônimos em inglês sugeridos, está o divertido “McGyverism”, que faz referência ao McGyver da série de TV, o agente secreto capaz de inventar soluções improvisadas para tudo. (Eis um saite de gambiarras de cinema/TV: http://shittyrigs.com/).

Gambiarra é quando alguém resolve um problema mecânico, hidráulico, elétrico, etc. usando recursos improvisados. Claro que tanto pode produzir coisas bem feitas quanto mal feitas. A boa gambiarra indica conhecimento do problema e habilidade para resolvê-lo, mesmo que os materiais sejam de má qualidade e que haja maneiras mais eficazes de solucioná-lo. 

A gambiarra mal feita pode produzir curto-circuitos elétricos, estouros / vazamentos / infiltrações hidráulicas, construções de alvenaria tortas e instáveis e assim por diante. A gambiarra não é garantia de trabalho eficiente nem é indício de incompetência.

Já vi amigos da área de Engenharia se queixando de que seus cursos não estimulavam a invenção, e sim a assimilação metódica do que já foi inventado É compreensível: em Elétrica, em Mecânica e em Civil a quantidade de soluções já encontradas é enorme, são séculos de conhecimento acumulado. Diante de tal problema, faz-se assim ou assado. 

O lado negativo, parece, é que quando um problema prático extrapola a tradição alguns engenheiros ficam de mãos atadas, porque não foram ensinados a pensar “fora da caixa”. Vai daí que todo curso prático (Engenharia, Medicina, Arquitetura, etc.) deveria uma cadeira chamada “Gambiarra” que percorresse o currículo do primeiro ao último ano. A arte do improviso, para fazer frente ao Acaso, ao Imprevisível, ao Imponderável.








quinta-feira, 28 de novembro de 2013

3355) "O Pescador de Ilusões" (28.11.2013)





Revi este filme antigo de Terry Gilliam, que talvez seja o filme menos “Terry Gilliam” de toda sua obra. O diretor é conhecido pelas suas superproduções com direção de arte fantástica e barroca, enredos mirabolantes, verdadeiras “extravaganzas” como Brazil, o Filme ou As aventuras do Barão de Munchausen. Sua obra tem um pé na ficção científica, outro no gótico, e elastecendo a metáfora posso dizer que tem outros pés espalhados pelo steampunk, o surrealismo, o macabro, a magia-de-palco do século 19. Gilliam surgiu no grupo cômico Monty Python, mas embora seus filmes compartilhem com o MP um tom burlesco, satírico, exagerado, não são filmes de humor. Seus filmes não são engraçados. Pelo contrário – são cheios de situações que têm potencial cômico mas uma poderosa força gravitacional os arrasta o tempo inteiro para o território da angústia e do pesadelo.

The Fisher King conta a história de dois homens cujas vidas foram destruídas, e depois ligadas, por uma brincadeira de mau gosto de um deles. Jack Lucas (Jeff Bridges) faz um locutor de rádio que um dia, para parecer cínico e “blasé”, sugere a um ouvinte (com quem conversa pelo telefone, durante a transmissão) que vá a um bar de “yuppies” e fuzile todo mundo. Mal sabe ele que o sujeito vai fazer isso mesmo. A chacina arruína a carreira radiofônica de Jack.

Anos depois, ele, numa tremenda pindaíba, acaba conhecendo um morador de rua, Parry (Robin Williams) e descobre que Parry caiu na miséria depois que perdeu a esposa, morta justamente na chacina que ele involuntariamente ordenou. Daí em diante, começa uma história fantasiosa, tortuosa (o roteiro é cheio de três passos para a frente e dois para trás), às vezes sentimentalóide, mas geralmente simpática, em que esses dois sujeitos tentam reequilibrar suas vidas.

O “rei pescador” do título é, na lenda do Rei Artur, um rei ferido que busca sem sucesso o Santo Graal e acaba encontrando-o por acaso quando diz estar com sede e um maluco qualquer lhe oferece água numa taça. O maluco não sabia que taça era aquela: queria apenas dar a água. O Graal é a água, a empatia, a caridade, o desejo de ajudar alguém sem pedir nada em troca. É o contrário do gesto cruel de Jack, que deflagra a chacina (uma crueldade gratuita tão comum nos “humoristas” de hoje e nas redes sociais). O filme contrapõe estes dois gestos, o impulso da maldade-pela-maldade, só para se divertir, e o impulso da solidariedade desinteressada. São dois impulsos igualmente fortes no ser humano, e eu diria que a luta entre os dois é pelo menos tão importante quanto a disputa de duas facções políticas por cargos administrativos.


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

3354) Orwell e o futebol (27.11.2013)






(Orwell, by Felipe Muanis) 

Dias atrás nas redes sociais foi postado um artigo de Lima Barreto em que ele descia a ripa no futebol, jogando-lhe em cima todos os defeitos e vícios possíveis. É conhecida a antipatia de Lima pelo jogo de bola, talvez aumentada pelo fato de que em sua época era um esporte de rapazes brancos e ricos, como são hoje o hipismo e o golfe. 

Já comentei aqui um ótimo livro de Mauro Rosso, Um Fla-Flu Literário, que contrapõe os artigos sobre futebol de Lima Barreto (contra) e de Coelho Neto (a favor). (Ver: http://bit.ly/13yAvnj).

Isto me lembrou outra diatribe famosa contra o esporte bretão, desta vez de um autor não menos bretão. George Orwell (1984, A Revolução dos Bichos) publicou em dezembro de 1945, no Tribune, um artigo devastador intitulado “O espírito esportivo” (“The sporting spirit” – aqui: http://bit.ly/4IGPTc). 

O gancho jornalístico foi a excursão do Dínamo de Moscou pela Inglaterra (certamente numa daqueles campanhas de boa vizinhança do pós-guerra), enfrentando clubes ingleses. Orwell começa dizendo que “se uma tal visita teve algum efeito nas relações anglo-soviéticas foi apenas a de torná-la um pouco piores do que estavam antes”.

Orwell vê o mal em todos os esportes competitivos (não poupa o boxe), e diz: 

“Joga-se para vencer, e o jogo não tem muito sentido a menos que se faça todo o possível para vencer. (...) No momento em que fortes sentimentos de rivalidade são despertados, a idéia de jogar de acordo com as regras desaparece. As pessoas querem ver um time por cima e o outro humilhado, e esquecem que não faz sentido uma vitória obtida através de trapaças ou da intervenção da torcida.” 

Orwell escreveu numa Europa esgotada pela guerra, onde os antagonismos nacionais persistiam: 

“O pior não é o comportamento dos jogadores, mas a atitude da torcida, e, para além da torcida, das nações que entram em fúria a propósito dessas competições absurdas, e acreditam seriamente – pelo menos por algum tempo – que correr, pular e chutar uma bola são testes para as virtudes nacionais”.

Ele observa com agudeza que entre o Império Romano e o século 19 o esporte não foi levado muito a sério, e que então, nos EUA e na Inglaterra, começou a ser tratado como uma atividade de altos investimentos. E diz: 

“Se alguém quiser aumentar a má-vontade já considerável que existe no mundo, não teria nada melhor a fazer senão promover jogos de futebol entre judeus e árabes, alemães e tchecos, indianos e ingleses, russos e poloneses, italianos e iugoslavos.”  

O que pensaria Orwell se tivesse visto os “hooligans” ingleses, as hecatombes de arquibancada, as batalhas campais dos torcedores em cidades pacíficas?






terça-feira, 26 de novembro de 2013

3353) Grandes idéias de FC (26.11.2013)




(freys, em Deviant Art)

Certas idéias científicas parecem óbvias, mas não vejo a ficção científica se dedicando a elas. Por exemplo: por que motivo não pesquisamos (nós, escritores, que ao contrário dos cientistas podemos pesquisar a custo zero) a formação de múltiplas personalidades (“o médico e o monstro”) na mente humana?  

Nem vou falar nas possíveis utilizações pacíficas desse divisionismo, mas citarei, para ver se atraio patrocinadores, algumas utilizações bélicas. Um soldado cuja mente seja, metade, uma máquina pré-ética de matar, e outra metade um carinhoso e patriótico pai de família. Cada um deles podendo ser ativado por um gatilho hipnótico (lembrem o filme O Telefone, de Don Siegel, com Charles Bronson), e assumindo o controle do corpo (do “cavalo mediúnico”) até concluir a tarefa prevista.

Faríamos melhor em investigar o cérebro humano, que bem ou mal estará conosco enquanto formos nós mesmos, do que em construir espaçonaves, gastar milhões de litros de gasolina para ir catar pedras num planeta baldio. 

Fernando Pessoa já ironizava o conceito de personalidade única no “Ultimatum”, um dos textos mais importantes de “Álvaro de Campos”. A produção de individualidades artificiais pode ser apenas uma questão de poucas décadas.

Antigas civilizações pré-colombianas doutrinavam seus neófitos aplicando-lhes na noite do “rito de passagem”, uma dose cavalar de ervas alucinógenas, e depois um passeio por dentro de cavernas labirínticas, ouvindo o eco de vozes, os cânticos, vendo os efeitos com archotes naquelas tortuosas galerias subterrâneas. Quem, no outro dia, acreditaria ter visitado menos do que um outro mundo que misturava cacos de inferno e de paraíso? 

Essas formas artesanais de controle mental mostram que o ser humano é sempre mais maleável do que parece, e Alguém, cedo ou tarde, usa isso em seu proveito.

Usar meios artificiais para criar personalidades distintas não seria mais do que levar às últimas consequências lógicas o processo de socialização que exige de nós atitudes diferentes em diferentes lugares ou atividades. Um Presidente poderia ser um orador carismático e cheio de empatia, e, longe das câmaras, um administrador enérgico, um negociador maquiavélico, e cada uma dessas personalidades só saberia das demais o necessário para funcionar.  

O emprego de múltiplas personalidades artificialmente controladas (inclusive pelo dono original daquele corpo) é uma possibilidade científica muito mais próxima e factível do que a construção de um império galáctico. 

Os escritores de FC preferem falar de impérios galácticos porque é mais fácil se movimentar no Passado (império é coisa do passado) do que no Futuro.






domingo, 24 de novembro de 2013

3352) Mente binária (24.11.2013)




Eu estava lendo um saite literário, com advertências e conselhos. Num certo post, o autor dizia algo assim: “Na ficção, o personagem é essencial. Ele tem que ter espessura, credibilidade. Se o personagem não parece uma pessoa – dentro das limitações de um texto, claro – a história não se sustenta”. O primeiro comentário do saite dizia: “Falso. E os personagens de Kafka, de Beckett? Que espessura eles têm? Parecem com quem? Isso que você fala é um absurdo.” A crítica do leitor tem uma certa razão, porque os personagens de Kafka e Beckett têm tudo menos essa “espessura” realista que o autor do saite reivindicava. Mas o que ele diz exprime, sim, uma verdade. Só que uma verdade parcial. E é sobre isto, não sobre literatura, que quero falar.

A mente de muitas pessoas funciona de modo binário, preto ou branco, sim ou não, 100% ou 0%. Acho que na infância elas assimilaram o conceito de “verdade” e “mentira”, e daí em diante se fixaram na atitude mental de considerar que qualquer afirmativa ou é cem por cento verdadeira ou cem por cento falsa. Eu chamaria a isso A Crispação Aristotélica – me parece que foi Aristóteles quem estabeleceu o conceito de que “se A é A, então A não é B”... algo assim.

Na discussão acima, a afirmação sobre a necessidade de verossimilhança dos personagens literários é uma verdade. Não no sentido científico de uma verdade factual, que pode ser objetivamente comprovada quantas vezes for preciso, mas no sentido de uma “verdade cultural”, de um conceito que faz parte da nossa cultura literária. É uma verdade parcial (digamos), que convive com a verdade parcial oposta. Anna Karenina e Joseph K podem coexistir no mesmo universo cultural. São verdades opostas, mas verdadeiras.

A imensa maioria das generalizações que a gente diz são verdades parciais. E a toda hora aparece um Leitor Binário, um Crispado Aristotélico para dizer que nossa afirmação é falsa, porque ele acaba de descobrir algumas exceções a ela. Qualquer afirmação vaga como, digamos, “os brasileiros gostam de futebol” é imediatamente denunciada, porque (dizem eles, triunfantes) nem todo brasileiro gosta de futebol. Ora, “os brasileiros” não significa (e é isso que ele não entende) “todos os brasileiros”. Significa “um número significativo de brasileiros”. É uma verdade estatística, cinzenta, difusa, como as da Física Subatômica.

E é a existência de gente assim, catadoras de lêndeas verbais, que obriga o redator a atulhar seus textos com a repetição de expressões como “na maioria dos casos”, “quase sempre”, “cerca de”, “aproximadamente”, “em torno de”, “grande parte”... Ressalvas que um leitor mais lúcido faz sem precisar de instruções.


sábado, 23 de novembro de 2013

3351) "Os Amantes da Ponte Nova" (23.11.2013)




Vi este filme (Os amantes da Pont Neuf, de Leos Carax, com Juliette Binoche) sem muita expectativa a não ser o fato de que Holy Motors, do mesmo diretor, foi talvez o melhor filme que vi no ano passado, e um dos mais desconcertantes dos últimos tempos. Os amantes... é de 1991 e conta a história de um casal de jovens sem-teto em Paris, que dormem na Pont Neuf, que está passando por uma reforma estrutural. Fechada ao trânsito, a ponte se torna algo tão isolado quanto um terreno baldio; como o forte do filme não é o realismo naturalista, não vemos um operário sequer trabalhando nos reparos. A ponte vive deserta, sem pedestres, sem interferências, e ali os personagens vivem sua vidinha: o junkie Alex, todo ralado, pé no gesso, muleta, cicatrizes de drogado pelo corpo inteiro, engolindo fogo na praça para sobreviver; Michelle, pintora que está ficando cega e rompeu com a família; e Hans, um velho que largou tudo para viver na rua com a esposa alcoólatra e agora, viúvo, acostumou-se àquilo.

É um filme menos surreal e mais linear do que Holy Motors, e acabou sendo o filme francês mais caro da época, porque o diretor teve que reconstruir cenograficamente a Ponte e os prédios em volta do rio. Durante todo o filme, Paris é um mero conjunto de figurantes passando ao fundo, meio fora de foco. O foco é todo nos sem-teto. O espaço onde Alex e Michelle vivem seus desencontros é uma espécie de ilha-da-fantasia; é patético quando, anos depois, eles marcam encontro na ponte, no inverno, e veem aquele local ocupado por carros, transeuntes, neve, como se tudo aquilo tivesse invadido o quarto de dormir dos dois.

Carax gosta de sequências longas, vagamente encaixadas na narrativa, que lhe permitem brincar com a câmara, a montagem e os atores, como numa sequência de fogos de artifício no céu, um passeio de lancha + esqui, e depois um longo plano dos dois correndo nus numa praia. O filme tem aquela sintaxe não-explicativa em que uma cena intrigante corta para algo completamente diferente como se nada tivesse acontecido. Os personagens são trancados, misteriosos, ressentidos, de modo que qualquer ação insólita que praticam (são muitas) parece natural, pois não sabíamos direito o que esperar deles. O diretor usa bem o recurso de eliminar todos os sons ambientes, com exceção de um (ou da música) para dar uma impressão de irrealidade, de alucinação. A vida dos moradores de rua mostra o tempo inteiro aspectos de sordidez e de liberdade, sem os clichês da crítica social, e só com uma ou outra escorregada num lirismo e num melodrama que lembram os filmes de Chaplin.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

3350) Clássicos da Zahar (22.11.2013)






Estou me devendo há algum tempo um comentário sobre a coleção Clássicos Zahar, que essa Editora vem lançando há algum tempo. São títulos que a gente pode chamar de clássicos populares – aqueles autores que hoje ocupam um lugar mais ou menos respeitável nas Histórias da Literatura, e que ao mesmo tempo produzem livros fáceis de ler, bem escritos, histórias interessantes contadas de um jeito envolvente. Livros que foram para minha geração o que Harry Potter e O Senhor dos Anéis têm sido para os mais jovens.

São todos livros em domínio público (autores falecidos há mais de 70 anos, de um modo geral). Isso significa que a editora economiza os 10% de direitos autorais que se paga sobre o preço de capa. Algumas editoras aproveitam isso para aumentar sua margem de lucro. Outras reinvestem isso, ou parte disso, em traduções caprichadas, prefácio e introduções, notas críticas e comentários ao texto, reprodução de ilustrações da edição original.

É mais ou menos o que tem feito a Zahar, numa série de clássicos em capa dura, como O Corcunda de Notre Dame de Victor Hugo (tradução, apresentação e notas de Jorge Bastos, ilustrações da edição original) ou O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas, com tradução (vencedora do Prêmio Jabuti) de André Telles e Rodrigo Lacerda, uma edição de bolso com 1.663 páginas. Os mesmos tradutores verteram (e comentaram) A Mulher da Gargantilha de Veludo e outras histórias de terror, também de Dumas.

Já falei nesta coluna sobre as aventuras de Sherlock Holmes editadas e comentadas por Leslie Klinger; as notas são copiosas e, embora alguns críticos as considerem supérfluas ao texto em si, valem como uma profusão de janelas hipertextuais sobre a Inglaterra, sobre Conan Doyle, sobre a Ciência, a História e a Geografia da época. Na minha pilha de leitura está aqui do lado O Lobo do Mar de Jack London, que nunca li, e que tem tradução de Daniel Galera, apresentação de Joca Reiners Terron, notas e glossário de Bruno Costa.

O que é um clássico? Arrisco-me a dizer que é um livro que se torna mais novo e mais rico a cada reedição, porque a soma total do que tem a oferecer nunca se esgota. Um livro que se expande ao ser visto e comentado por sucessivas gerações de estudiosos. A edição de O Mágico de Oz de L. Frank Baum tem tradução de Sérgio Flaksman, apresentação de Martin Gardner, prefácio de Gustavo Franco, notas de Juliana Romeiro, ilustrações originais. Cada edição assim é única, é o texto clássico emoldurado pelas ressonâncias que produz naquele país, naquela época. Se daqui a um século algum livro meu for tratado assim, nem vou sentir falta dos direitos autorais.


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

3349) Os cordéis de Pepys (21.11.2013)






Quando o inglês Samuel Pepys (1633-1703) faleceu, deixou uma imensa e bem cuidada biblioteca de mais de 3 mil volumes, uma das maiores de seu tempo (a coleção está hoje em Magdalene College, Cambridge). 

No meio daquilo tudo, inclusive raríssimas primeiras edições da época, havia uma coleção de mais de 1.800 baladas populares (letras de canções impressas de um só lado, em papel barato, como também se usou no Nordeste) e 115 folhetos de cordel (chamados “chapbooks” na Inglaterra). 

Pepys foi membro do Parlamento e Secretário Naval da Inglaterra; era um homem culto e influente. E tinha curiosidade pelo fervilhar cultural de seu tempo, inclusive a chamada literatura popular, além de admirar as soluções gráficas desses folhetos e baladas. 

Os 115 “chapbooks” colecionados por ele foram alvo de uma antologia organizada por Roger Thompson (Samuel Pepys’ Penny Merriments, New York, Columbia University Press, 1977)

Os chapbooks de Pepys são livros pequenos, em torno de 8,5 por 14 cm, enquanto nosso cordel mede cerca de 11 por 16. As ilustrações são em xilogravura; na Inglaterra, espalhadas ao longo do livrinho, enquanto que no Nordeste há uma só, na capa. E os chapbooks ingleses eram geralmente em prosa, enquanto quase a totalidade do cordel brasileiro é em verso.

Thomas divide a coleção de Pepys em oito temas. 

1) “História”, incluindo eventos históricos, lendas, vidas de personagens como Henrique VIII ou Robin Hood. 

2) “Mágica”: textos sobre crendices populares, quiromancia, astrologia, previsões do futuro, personagens como o Pequeno Polegar (Tom Thumb) ou o Dr. Fausto.  

3) “Crítica social”: condenando o alcoolismo, a vadiagem, a mendicância, o uso errado da terra, a usura, o falso moralismo.  

4) “Namoro”: regras de conduta e etiqueta para os namorados, e conselhos para o casamento e a administração do lar. 

5) “Gracejos e piadas”, semelhantes às nossas coletâneas de anedotas em almanaques e revistinhas.  

6) “Guias práticos”, com instruções culinárias, farmacêuticas e para outros tipos de necessidade cotidiana. 

7) “Histórias de malandros”, que têm um apelo universal e são, ao seu modo, precursores dos nossos cordéis sobre Pedro Malazarte, Cancão de Fogo, etc. 

8) “Relações conjugais e extra-conjugais”, histórias maliciosas de adultérios, traições, situações equívocas, numa linguagem cheia de duplos sentidos, ou claramente de encontro aos padrões de moral da época.

Havia cordel (ou “romanceiro popular”) na Inglaterra, na França, na Espanha, em Portugal, em todo canto. É o encontro entre as histórias simples da memória coletiva e a impressão barata de um livrinho cujo preço, uma moedinha, até os pobres podem pagar.












quarta-feira, 20 de novembro de 2013

3348) Crimes da ciência (20.11.2013)





(Ming)



A Ciência é admirável e terrível. Algo como um espetáculo que nos atrai, do qual não conseguimos afastar os olhos, mas se chegarmos muito perto corremos o risco de ser destruídos. 

Ela se baseia na busca de fatos e de constantes (as chamadas “leis da natureza”) objetivas, que existem no mundo. “Objetivos” quer dizer coisas que existem fora da nossa consciência, algo que não depende de nossa consciência para existir. 

Como dizia Philip K. Dick, "realidade" são todas as coisas que não desaparecem quando a gente deixa de acreditar na existência delas.

Nessa busca do que é objetivo, do que é coletivo, geral, universal, as ciências precisam muitas vezes considerar secundário todo indivíduo, todo caso isolado, toda pessoa. 

O que buscam, em princípio (tenhamos sempre cuidado com as generalizações – cada ciência tem métodos e objetivos diferentes), é o que há em comum entre todos os indivíduos. Nessa busca de constantes universais, os indivíduos às vezes saem perdendo.

Foi o caso que a imprensa noticiou assim: “Cientistas Matam Acidentalmente o Animal Mais Velho do Mundo”

Era um molusco oceânico descoberto perto da Islândia em 2006. Os cientistas calculam a idade deles contando os anéis em sua concha, por dentro e por fora. A avaliação era de que o molusco tinha 507 anos quando foi descoberto, mas a contagem era imprecisa. Para chegar ao número certo, seria preciso abrir a concha e olhar dentro. 

Foi o que eles fizeram, certamente tomando o máximo de cuidado. Nem sempre o máximo é o bastante, e durante o processo o bicho morreu. 

O que lembra aquela piada, em que o doente diz: “Doutor, o que é que eu tenho?”, e o médico: “Fique tranquilo, saberemos na autópsia”.

Temos o direito de sacrificar um ser vivo só para saber com “certeza científica” a idade que ele tem? Os cientistas provavelmente não teriam feito o que fizeram se tivessem certeza de que isso mataria Ming (até nome o molusco recebeu!). 

Não é o mesmo caso daquele lenhador norte-americano que meteu a motosserra numa árvore (há poucos anos) para ver que idade tinha, e descobriu que era A Árvore Mais Velha do Mundo. Neste caso, os anéis internos do tronco não poderiam ser cortados sem matar a árvore; no do molusco, acho que os cientistas tinham alguma chance de poupar o espécime.

É, amigos, a vida é frágil. Como disse G. K. Chesterton em Orthodoxy

“Dê uma pancada num vidro, e ele não durará um instante; deixe-o em paz, e ele vai durar mil anos. (...) A felicidade depende de não fazermos algo que podemos fazer a qualquer instante, e que, muitas vezes, não é muito claro para nós que não devemos fazê-lo.” 

Quando sabemos, é tarde demais.










terça-feira, 19 de novembro de 2013

3347) Erros de tradutores (19.11.2013)




Volta à imprensa e às redes sociais a discussão sobre erros de tradutores, em função de alguns livros recentes. Como passo 4 ou 5 horas por dia amarrando esse tipo de pingo dágua, me conforta perceber que não sou o único que erra, que erros podem ser perdoados, e que o mundo não se acaba quando a gente paga um mico.

Cito um post no Facebook da tradutora Denise Bottmann, figura exigente e respeitada na profissão: “A gente erra: seja o erro de ler errado, por distração, seja o erro de não saber direito o sentido e trocar alhos por bugalhos, seja o erro qualquer erro, errado em suma. Nenhum leitor deveria, sugestão minha, esperar uma plena reconstituição / restituição / recriação etc. do original, claro, mas tampouco esperar algo prístino, imaculado, impecável. A gente erra. Não de vez em quando, uma vez a cada morte de papa. Não, erra sempre, o tempo todo, seja aquela coisa mais crassa, idiota mesmo, seja aquela distração imperdoável, seja aquela simplificação grosseira ou qualquer outra coisa”.


Entre os resenhadores da imprensa, virou um hábito escolher o pior erro do tradutor para denunciar em público. (Poucas vezes vejo um resenhador abrir um parágrafo só para destacar um grande acerto, uma solução feliz encontrada pelo tradutor.) O desprestígio da profissão conduz a um círculo vicioso. Os erros se multiplicam graças à presença de centenas de pessoas mal preparadas, verdes, que traduzem porque precisam de dinheiro ou porque “moraram dois anos nos EUA e sabem inglês”. Alguns desses até poderiam virar bons tradutores, com o tempo, mas foram ridicularizados num caderno literário e desistiram. (Conheço casos.)

Um tradutor não é uma pessoa “que sabe inglês” (ou o que for). É um escritor. Quem não é escritor, jamais traduzirá. Escritor (tradutor) de literatura, de humanidades, de livros técnicos, de filosofia, de poesia: cada ofício destes exige talentos diferenciados. E sempre sabendo que o que estamos produzindo não é, nunca, um equivalente perfeito do original. A tradução é um jogo onde se perde o tempo todo, onde é proibido ganhar, e onde o teto possível é o empate.

O pior erro, aliás, não é nem quando a gente “come mosca” e não vê. É quando ocorrem certas coisas que somos incapazes de resolver de uma maneira melhor, e vão para a página assim, mancas, falhadas, porque não podemos deixar aquela linha em branco e não conseguimos encontrar (nem mesmo recorrendo aos amigos) uma solução satisfatória. O que fazer? Admitir o fracasso, assimilar a perda, respirar fundo e encarar o próximo parágrafo, com a esperança de que os próximos mil acertos insignificantes ajudem a curar aquela ferida, que é só nossa.


domingo, 17 de novembro de 2013

3346) Mistérios do Facebook (17.11.2013)






(by Eduardo Salles)



Uma das coisas mais fascinantes das redes sociais é o fato de que, quando temos um número grande de seguidores ou amigos, temos direito a vislumbres rapidíssimos e enigmáticos da vida de pessoas que conhecemos só superficialmente, ou que nem fazemos idéia de quem são. 

Parece uma lei-não-escrita dessas redes que cada um de nós é livre para postar o que bem entender; mas, devido ao excesso de exposição pública, é melhor não ser demasiado explícito. 

Vai daí que as redes sociais são um terreno fértil para a Insinuação, a Indireta, a Vagueza Proposital, a Alfinetada Sutil, a Cotovelada de Quem Não Está Mais Aqui, a Ameaça Pública Velada, o Queixume Com Destino Certo...

Você vai correndo a tela, olha aqui, olha acolá, e de repente se depara com alguém que posta: “Muita gente pensa que só quem cai pra baixo é a chuva, mas não perde por esperar!”. 

Como sou um cara meio paranóico, tudo que leio penso que é comigo, até as quadras de Nostradamus. Aí, verifico direitinho quem é a pessoa, peço ao Facebook para exibir nossa amizade, acabo me tranquilizando. Não é comigo. 

Mas quando retorno à página, um sujeito de má catadura acabou de postar: “De falsos intelectuais este Facebook está cheio, mas tudo bem, isso me dá motivos para gargalhadas, e faz bem à saúde!”. Recuo, desconcertado. Que mal fiz eu ao barbudo para ele me chamar de pseudo-intelectual? Meia hora para me auto-dissuadir, para me refazer.

Você se distrai com as postagens de uns e de outros, este aqui indicando um clip de erros de continuidade no cinemão blockbuster, outro mostrando um número ao vivo de Django Reinhardt, outro com a lista dos dez gols mais bonitos na votação da Fifa... O mundo vira um parque de diversões inofensivo, ou uma confeitaria onde as guloseimas são de graça e não empanturram. 

Mas de repente, surge aquela postagem lacônica de alguma senhora: “Uma certa pessoa deveria tirar o cavalinho da chuva pensando que está com a bola toda. Não está não, mas vai descobrir da pior maneira possível”. Meu dia desmorona. O que foi que eu fiz a essa postante? Nem reconheço o nome! 

Clico, verifico a foto, a verdade é que nunca a vi mais gorda, tenho até vontade de comentar seu post dizendo isso, mas se ela já está belicosa é capaz até de levar a mal.

O que me salva são os mistérios positivos. Uma moça posta: “Tiiinnn-tiiinnn... Gente, não caibo em mim (é caibo que se diz? Xapralá!), estou com uma novidade ma-ra-vi-lho-sa mas por motivos óbvios não posso tornar público ainda. # felizdavida”. 

Continuo sem saber quem é, o que será que lhe aconteceu; mas a luz alheia também nos ilumina, e por essa noite vou dormir feliz.








sábado, 16 de novembro de 2013

3345) Lord Byron's Night (16.11.2013)



(foto: Dani Barcellos)

Estive na 59a. Feira do Livro de Porto Alegre, para dois compromissos dentro do evento Tu Frankenstein, dedicado à literatura fantástica. O primeiro, um bate-papo com Duda Falcão e João Pedro Fleck, organizadores do evento, e os tradutores César Alcázar e Guilherme Braga. O outro, um desafio curioso. Como sabem os fãs da literatura de terror, em 1816 os poetas Lord Byron e Percy Shelley (este com sua noiva Mary) se encontraram na mansão do primeiro, às margens do Lago Genève (ou Lago Leman), na Suíça. Numa noite chuvosa, eles e mais alguns convidados propuseram uns aos outros o desafio de cada um escrever uma história de terror. Algum tempo depois, surgiram dois clássicos da literatura fantástica: O Vampiro, de John Polidori (um dos amigos presentes, e médico pessoal de Byron) e Frankenstein, ou o Moderno Prometeu de Mary Shelley.

O desafio gaúcho, chamado informalmente “Lord Byron’s Night”, consistiu em colocar 18 escritores para passar uma noite em claro dentro da Biblioteca Pública de Porto Alegre (que está fechada para restauração), sem poder sair, sem conexão de Internet, da noite do sábado até o amanhecer do domingo, com o compromisso de cada um entregar, no fim do prazo, um conto de terror. Temas e ambientação foram deixados a cargo de cada um; a única exigência era que a Biblioteca aparecesse, fosse como local da história (em parte ou no todo), ou por conter uma livro ou documento que iria desencadear o enredo, etc. No andar térreo, um bufê com sanduíches, salgados, refrigerantes, café e cerveja – para manter todo mundo inspirado e desperto.

A Biblioteca é mais antiga, mas o prédio atual, em reforma, é de 1922, e tem paredes, tetos e decoração extremamente interessantes. Iluminação indireta criava um ambiente soturno. O grupo de escritores incluía os argentinos Federico Andahazi (autor de O Anatomista) e Gustavo Nielsen, o francês Alexis Aubenque, os norte-americanos Sean Branney e Christopher Kastensmidt (este radicado no Brasil há 12 anos), e os brasileiros Felipe Guerra, João Pedro Fleck, Duda Falcão, Marcelo Amado, Celly Borges, Guilherme Braga, Cesar Alcázar, Carlos Patati, Bráulio Tavares, Simone Saueressig, Felipe Castilho, Max Mallmann e Carlos André Moreira. Os contos deverão ser reunidos numa antologia com lançamento previsto para a 60a. Feira, daqui a um ano.

Foi uma rara sensação passar a noite escrevendo, cercado pelo tlec-tlec de 17 notebooks, com pausas de hora em hora para um café e um bate-papo com os colegas, e produzir, das 21 horas às 3 da manhã, um conto de 3.200 palavras, num regime de total improviso (eu não sabia o que ia escrever até digitar a primeira frase).


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

3344) Viva Millôr! (15.11.2013)




(Quinho)



Millôr Fernandes foi escolhido como homenageado da Flip, Festa Literária de Paraty, um dos mais importantes eventos literários do país. E logo começaram os aplausos, de um lado, e os apupos, do outro. 

Vou logo avisando que estou do lado dos aplausos, e olha que eu participei de um abaixo-assinado defendendo a escolha de Lima Barreto para essa homenagem. Não deu Lima; deu Millôr. É justo?

Na rejeição de alguns a Millôr há uma defesa da “literatura propriamente dita” contra a sua contaminação por outras atividades. 

Entre nós, literatura significa romance, conto e poesia. Para ser grande escritor é preciso ter sido grande numa dessas três áreas. Tanto que aí estão os homenageados anteriores: romancistas/contistas (Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Jorge Amado, Machado de Assis, Graciliano Ramos), poetas (Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade. Carlos Drummond), com a ressalva de que alguns se destacaram também em outras áreas. 

Restam os casos do dramaturgo Nelson Rodrigues, mas este também foi um romancista de peso; e do sociólogo Gilberto Freyre, mas pode-se argumentar o impacto cultural e o brilho estilístico do que escreveu.

Millôr não foi romancista, nem contista, nem poeta. Foi autor de crônicas, epigramas, parábolas, anedotas, aforismos, versinhos de ocasião. Foi excelente tradutor, e dramaturgo de sucesso. Foi um dos nossos melhores artistas gráficos, mas isto “não é literatura”. 

Tinha opiniões claras (de muitas das quais discordo, aliás) e corajosas. Ganhou inimizades porque vivia alfinetando os balões da vaidade de muitos figurões e mostrando que eram feitos de 1% de plástico e 99% de vazio.

A grande contribuição de Millôr não foi na área da ficção nem da poesia, e sim na área da linguagem. Na área da fala-escrita, dos jeitos de dizer. Poucos manejaram a língua brasileira com a mesma versatilidade e habilidade dele. Como outros jornalistas, pegou uma língua pesadona, balofa, e deu-lhe leveza e graça de bailarina ou de craque de futebol. 

Foi um dos maiores fazedores de frases num país que é fértil nesse tipo de talento; e se alguém disser que frase não é literatura é porque pensou no assunto pela primeira vez neste momento.

Isto ele compartilha com Lima Barreto: a linguagem simples, direta e riquíssima. Sua originalidade vem da ousadia das idéias expressas em palavras simples. Millôr combateu a prosa enfatiotada e oca, o beletrismo oratório que levou antas e mais antas às Academias e aos manuais escolares. 

Combateu o Monstrengo Pomposo, aquela prosa “capaz de acrisolar no cadinho do vernáculo as emoções candentes que diuturnamente se estiolam na labuta do louvor às Musas...” Vôte.










quinta-feira, 14 de novembro de 2013

3343) Eu me lembro 3 (14.11.2013)




Eu me lembro que a música com que se apagavam as luzes e abriam as cortinas no Cine Avenida era o tema de Charada de Henry Mancini. 

Eu me lembro de ter visto um trote universitário com todo mundo sujo, rasgado, careca, portando cartazes falando em De Gaulle e em pesca de lagostas. 

Eu me lembro do restaurante Bolero, que eu olhava lá da rua e via os guardanapos de linho dobrados dentro dos copos, como se fossem lírios. 

Eu me lembro dos chapeados que carregavam balaios na feira, usando na cabeça uma rodilha de pano sobre um chapéu feito com o couro de uma bola de futebol.

Eu me lembro da manchete gigantesca na primeira página de um jornal: “Amanhã, Lunik revelará se há vida na Lua”. 

Eu me lembro da primeira vez em que eu guardei um chocolate no bolso da camisa da farda do colégio e ele derreteu. 

Eu me lembro das saladas-de-frutas com sorvete da Flórida, e de como a colher era de um metal mais pesado do que as de lá de casa. 

Eu me lembro do coro de “shhh, shhh” no cinema quando aparecia na tela o condor da Condor Filmes, que Aldir Blanc descreveu como “e o urubu sai voando...”.

Eu me lembro de Cauby Peixoto na sacada da Rádio Borborema, cantando “Conceição” a-capella para a multidão que não pôde entrar para vê-lo cantar no palco-auditório. 

Eu me lembro da sinuca Gato Preto, dos quadros nas paredes com páginas de revista mostrando fatos bizarros tipo “Ripley’s Believe it or Not”. 

Eu me lembro  do confeito Gasosa, redondo, cujo papel era azul e branco e tinha o desenho de taças de espumante. 

Eu me lembro de quando minha Tia Adiza me levou para ver um filme de Oscarito no Cine São José, e num dos trailers apareceu uma mulher nua!

Eu me lembro dos primeiros LPs em 33 rotações, e eu gostava porque dava para ler o título da música enquanto o rótulo girava. 

Eu me lembro que no Presidente Vargas quando faltavam uns dez minutos para o fim do jogo abriam-se os portões para a entrada de quem não podia pagar, e a gente chamava isso “a hora dos miseráveis”. 

Eu me lembro quando apareceram os primeiros cinzeiros de sala que ficavam sobre um saco de veludo cheio de areia. 

Eu me lembro da campanha para prefeito entre Severino Cabral e Newton Rique. (Ou “Pé de Chumbo” e “Mão de Seda” para os adversários). 

Eu me lembro de um casarão na Rua Vidal de Negreiros que em 1958 foi o Colégio das Lurdinas e em 1965 foi a sede e concentração do Treze. 

Eu me lembro das bolas de couro Drible, número 3, compradas a Fuba Véi na Casa Esporte; a número 5 era o tamanho profissional. 

Eu me lembro dos meninos descendo a rua Miguel Couto nos carrinhos de rolimã, e que quando vi a primeira foto de um kart achei uma coisa de ficção científica.







terça-feira, 12 de novembro de 2013

3342) Cinema Paralelo (13.11.2013)



(Shane Smith) 

A cada dia que passa eu acho a Rússia o país mais bizarro e mais interessante do mundo. Eu não moraria lá nem com uma bolsa milionária, mas o laboratório de situações terminais em que se tornou o antigo Império dos Czares e antiga União Soviética é um espetáculo fascinante para quem curte “o estranho, o bizarro, o inesperado”.

Vi o documentário Cinema Paralelo (http://bit.ly/PlUJ3I), com cerca de meia hora, sobre o cinema “underground” que floresceu no país nos anos finais da URSS, botou a cara pra fora meio timidamente nos anos Gorbachev, e agora sob a ditadura de Putin está retornando aos subterrâneos onde nasceu e se criou.

O Cinema Paralelo era um tipo de cinema propositalmente malfeito, “trash”, amalucado, surrealista, indecente, grosseiro. A certa altura do documentário de Shane Smith e Eddy Moretti, um entrevistado diz: “A Rússia tem uma arte ‘underground’ extraordinária, e uma arte oficial terrível.”  Boris Yukhananov, os irmãos Igor e Gleb Aleinikov (o primeiro, já falecido; o segundo, hoje diretor da segunda maior estação de TV do país) fizeram filmes chocantes, anárquicos, que Shane define assim: “Gente maluca fazendo filmes malucos baseados em teorias intelectuais ultra-radicais”.

Oleg Kulik é um artista performático que fez parte desse movimento (ele viajou pela Europa interpretando o papel de um cachorro: nu, puxado pela coleira por um assistente). Agora, fundou uma religião, da qual é o Messias: a Religião do Nada. Quem continua na ativa é Yvgeni Yufit, criador do “Necro-Realismo”. No período comunista, não era permitido mostrar a morte, mostrar bundas, mostrar infelicidade. Assim, Yvgeni decidiu colocar todas essas coisas nos seus filmes. Teve filmagens interrompidas, filmes apreendidos, mas de um modo geral ele e seus colegas eram considerados apenas idiotas e malucos.    

Um dos subgrupos mais interessantes é o Cinema Álcool, “Alcho-Cinema”. Segundo Andre Silvestrov, é “um projeto conceitual na fronteira entre arte, entretenimento e álcool”. Seu colega Pavel “Pasha” Liabazov sugere: “E sócio-arte”. Depois, Silvestrov completa: “É uma alternativa à pornografia do Ocidente.” Em que consiste o Cinema Álcool? Eles juntam numa sala um grupo de seis a dez pessoas (sempre homens, ao que parece) e essas pessoas começam a beber e conversar sobre tudo: política, arte, cinema... E não há câmera. Pelo menos no dia em que a equipe de Shane Smith registrou uma filmagem do Cinema Álcool, somente as câmeras dele próprio estavam presentes. Fica a impressão de que é algo na linha do Cinema Espiritual Paraibano dos anos 1960: o pessoal num bar, bebendo e descrevendo o filme que tem na cabeça.


3341) Nossas editoras (12.11.2013)




Todo autor tem problema com editoras, mas esses problemas são de natureza variadíssima, tipo “cada caso é um caso”, e não se resumem ao cansadíssimo clichê do editor gordo, de cartola, fumando charuto e surrupiando os direitos autorais do autor que escreve à luz de velas num sótão gotejante. Não é assim. Os problemas são muito outros.

Contarei dois problemas que tive com a Editora Rocco, à qual aliás sou muito grato por ter publicado três livros meus: A Máquina Voadora (1994), A Espinha Dorsal da Memória / Mundo Fantasmo (1996) e O Anjo Exterminador (2002).  Quando penso nessa editora, mais do que numa empresa penso no papo amigo e inteligente de Vivian Wyler, Ana Duarte, Bebeth Lissovsky, e do falecido e admirável José Laurênio de Melo.

Mas vejam como o mecanismo de uma editora grande pode se tornar uma coisa desajeitada, paquidérmica, kafkeana.

Anos atrás eu precisei de exemplares da Espinha... É praxe contratual que o autor possa adquirir seus próprios livros com um desconto no preço de capa. Digamos que eu precisasse pagar apenas 40% disso; num livro com preço de capa de 40 reais, eu pagaria apenas 16 reais por cada um. Liguei para o depto. comercial da editora, encomendei uns dez ou vinte exemplares, paguei os 16 (ou equivalente). Dias depois, achei numa Siciliano o mesmo livro, com preço de capa de 9,90. Por que o Depto. Comercial não me disse que estava liquidando o livro? Como autor, tenho o direito de saber. Se a Siciliano estava vendendo a R$ 9,90 deve ter comprado por um décimo disto. Mas a editora não me disse nada. Só para que eu pagasse os 16,00 reais por exemplar, bancando o otário? Não é possível.

Esta semana, recebi a prestação de contas de O Anjo Exterminador, meu livro sobre Luís Buñuel, e vi que os 450 últimos exemplares do livro foram vendidos a alguém por R$ 1,75 (um real e 75 centavos) cada um. Mais uma vez a editora foi burra. Se tivessem me ligado e pedido uma oferta, eu sou tão ingênuo que teria pago talvez 5 reais por cada livro, pensando em vender por dez.

O modelo de ação das grandes editoras, no entanto, dificulta o diálogo direto, as pequenas atenções e gentilezas. Não dá para lembrar de negociar cada detalhe com cada autor, são centenas de autores, às vezes mais de mil. Quando é preciso abrir espaço no armazém, é contraproducente ficar ligando para cada uma daquelas pessoas: “Você se interessa por essas sobras-de-estoque?...” É este o termo técnico para aquele livro sobre o qual você suou e se desesperou em vão durante um ano. É tudo muito rápido, muito atropelado, muito mal feito, muito mal resolvido, muito mal educado.


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

3340) Contracapa de PS4 (10.11.2013)



(www.imagesavant.com)

&  no futuro só existirão ciganos, os esperançosos chegando aos territórios que os desiludidos desocuparam na véspera  &  um livro-cebola com páginas esféricas, lidas e descartadas de fora para dentro  &  isso aí só no dia em que fumaça descer pela chaminé  &  há uma conspiração em curso para que os honestos se afastem cada vez mais da política  &  aves de pano negro pousadas no muro, mastigando alguma coisa  &  todo escritor é um rio menor do que os afluentes que recebe  &  um tique nervoso é um bug biológico que desencadeia um loop mental  &  um time de futebol faz anagramas de si mesmo durante 90 minutos  &  uma moeda com uma face falsa e a outra verdadeira  &  uma noite de chuva como esta e ainda mais uma campainha distante que não para de tocar  &  podia pelo menos ter uma janela no elevador, pra gente ver a parede passando  &  e ele com aquela cara de quem esqueceu de fazer backup  &  edifícios cravados na paisagem como pendraives ambiciosos e invasivos  &  o barulho da cidade é como o de um mar indo e voltando  &  se eu fosse esperar que alguém pedisse minha opinião, tinha morrido mudo  &  a limusine é útero high-tech, Náutilus do asfalto, bat-caverna ambulante, alcova para voyeurs  &  conheço um cara que é dono de vinte cinemas e há dez anos não consegue ver um filme  &  o mundo deve ser a lixeira onde Deus joga o que não deu certo  &  um livro onde cada página fosse desenhada como um quadro  &  o doido e o headphone invisível que só ele escuta  &  igarapés holográficos por onde os turistas poderão caminhar sobre as águas sem molhar os respectivos  &  tem gente que basta botar uma peruca e nem lembra mais como se chama  &  cada objeto no mundo tem um Deus e um Diabo brigando pelo seu destino  &  as melhores visões se projetam na membrana impalpável entre o sono e a insônia  &  nenhuma cidade é mais interessante do que seus subterrâneos  &  tem bilionário que nem lembra o que é dinheiro, vive pela adrenalina das disputas  &  por mais rápida que seja uma bala ela está sujeita às influências do vento  &  roqueiros fazendo a saudação nazista e sendo mal interpretados  &  mosquitos que transmitem amnésia, ateísmo, obesidade  &  tem gente que se pudesse acabava o mundo e tirava uma foto ao lado dele  &  devia existir uma engenhoca que produzisse água do mesmo jeito que um isqueiro produz fogo  &  tem gente que me chama a atenção mas ela não vai de jeito nenhum  &  só sabe o gosto de vestir uma roupa nova quem sabe o prazer de usar uma roupa velha  &  poucos honestos pregam a honestidade com tanta veemência quanto certos trambiqueiros  &

sábado, 9 de novembro de 2013

3339) "2001" (9.11.2013)





(foto: skynerd.com.br)


A editora Aleph acaba de lançar uma edição especial de 2001, uma Odisséia no Espaço de Arthur C. Clarke. Na capa de Pedro Inoue, há uma caixa preta tendo no centro o “olho vermelho” do computador Hal-9000, e dentro da caixa o livro propriamente dito todo impresso em preto, inclusive as bordas, reproduzindo o famoso monolito do filme. Além disso, o livro traz textos extras de Arthur C. Clarke, com dois dos contos que serviram de inspiração inicial para a obra: “A Sentinela” (1952) e “Encontro ao alvorecer” (1953).

2001 é uma das obras mais conhecidas da FC, graças ao filme, e imagino que tenha sido o único romance do gênero que muita gente chegou a ler (ou pelo menos tentou). Na época em que filme e livro foram lançados, eu tinha de 18 para 19 anos e ouvia o tempo todo comentários como: “Leia o livro, ele explica o filme todo!”. Explica... em termos. Toda a base científica do filme é esmiuçada, no brilhante estilo pensei-em-tudo de Clarke. Superficial na criação de personagens e na psicologia humana, ele é um espantoso pintor de ambientes e situações de grandeza cósmica e precisão científica.

Relendo o livro agora, percebi um detalhe. Os cinco astronautas na missão (embora a ação se concentre em dois) têm nomes que evocam os homens-macacos primitivos do início da história: Hunter (caçador), Whitehead (que lembra o homem-macaco “Cabelo Branco” devorado pelo leopardo no capítulo 1), Poole (que lembra “pool”, poça, onde os homens–macacos disputam a água), “Kaminsky” (uma forma da palavra “pedra” em polonês) e Bowman (arqueiro). Sim, sei que eles ainda não usam arco e flecha, mas a idéia está embutida na transformação do personagem Aquele-Que-Vigia-a-Lua.

A certa altura, depois da crise do Hal-9000, Dave Bowman lembra o que um técnico lhe havia dito, na Terra: “Podemos projetar um sistema que seja à prova de acidentes e estupidez, mas não podemos projetar um que seja à prova de maldade deliberada.” Clarke é um dos autores mais racionais e apolíneos da FC, mas por baixo da euforia racional ele (que não é bobo) reserva sempre um desvão escuro onde está de emboscada o imprevisto, o irracional, o inesperado. Como a própria crise de consciência do super-computador, que quase faz abortar a missão.

Quem chega a Saturno (no livro; no filme, é Júpiter) é um prodígio da alta tecnologia, pilotada pelos astronautas mais frios, sensatos e robóticos da humanidade, e por um computador que acaba revelando instintos de sobrevivência destruidores que não ficam muito distantes dos impulsos dos homens-macacos da primeira parte da história. Quem chega ao espaço é uma equipe onde não se distingue quem é máquina e quem é homem-macaco.


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

3338) Pague o músico! (8.11.2013)




Circula pela web (recebi via Twitter do ilustrador Renato Alarcão) um email assinado pelo músico N. J. White, endereçado a uma tal “Zoe”, de um canal de TV britânico, que, aparentemente, escreveu para ele pedindo a liberação, sem pagamento, de alguma música ou trecho de música de autoria dele, para inclusão em algum tipo de trabalho. Esses detalhes não ficam muito claros, mas não importa. Importa a resposta do músico e seus argumentos. Faço pequenos cortes na mensagem original, que é bem mais extensa, mas o essencial vai aí abaixo.

“Prezada Zoe: (...) Estou de saco cheio desse papo furado, dessa inevitável frase: ‘Infelizmente não temos verba para a música’, como se alguma permanente Lei do Universo tivesse proferido um triste e imutável veredito impedindo você de destinar verba para a música. É a SUA empresa quem determina as verbas. Foram vocês que decidiram não destinar verba para a música. Vivo recebendo mensagens desse tipo, toda semana, enviadas por uma indústria de mídia rica, globalizada.

“Por que é assim? Vamos dar uma olhada em quem somos, eu e você. Eu sou um músico profissional, vivo da minha música. Levei metade da vida para aprender minha técnica, e anos para subir na estrutura da profissão até chegar a um ponto de receber mensagens de estranhos como você. Minha música é uma propriedade conquistada com muito esforço. Já licenciei música minha para alguns dos maiores programas, marcas, games e produções de TV, desde Breaking Bad até Os Sopranos, da Coca-Cola a Visa, da HBO até Rockstar Games. Você teria coragem de abordar um Diretor com um currículo assim, e, com uma simples frase cínica, pedir-lhe que trabalhasse de graça?

“É o menosprezo pela música, culturalmente impregnado na SUA profissão, que leva vocês a desdenhar o quesito ‘música’ sempre que possível. Vocês pagarão, sem questionar, a qualquer pessoa envolvida numa filmagem, (...). O músico? Ele que trabalhe de graça. (...) Você trabalha numa empresa financeiramente próspera, bem sucedida, reconhecida no mundo inteiro, com um portfólio cheio de sucessos. (...) Vocês têm dinheiro, sim, e fingir o contrário chega a ser um desaforo. E me manda esse pedido esfarrapado, “dê-me seu trabalho de graça”. (...) A resposta é um sonoro e definitivo NÃO”.

White termina a carta dizendo que está remetendo cópias para vários websaites e blogs voltados para a música, e encorajando os colegas a fazerem o mesmo. É o que estou fazendo. Dona TV (etc.), pague o músico! Pague o poeta, o escritor, o ilustrador, o fotógrafo, o ator... Nenhum email dizendo “Não temos verba para roteiro” já foi enviado por uma pessoa que estava trabalhando de graça.