domingo, 31 de agosto de 2008

0536) Exoterismo e auto ajuda (7.12.2004)



Não, amigo, não está errado não, é “exoterismo” mesmo. Todo dia, em algum órgão da imprensa, um redator sem assunto resolve explicar esta importante diferença, e hoje é minha vez. Conhecimento esotérico é aquele que é reservado a grupos fechados (“eso” significa justamente “por dentro”, ou “nas internas” como se diz na gíria). São aqueles segredos cruciais a que os sócios não têm acesso, só a Diretoria. Por outro lado, conhecimento exotérico é justamente o contrário: aquele que é divulgado para informação de todos, que é acessível a todos. “Exo” quer dizer “por fora, ou para fora”: “exorcizar” é expulsar o demônio, “exoesqueleto” é o esqueleto exterior dos crustáceos, “exogamia” é a prática de casar com pessoas de fora do clã.

Dito isto, determino que todos os órgãos de imprensa do Brasil eliminem imediatamente de suas páginas a expressão “livro esotérico”, substituindo-a pelo termo correto, com “x”. O próprio conceito de “livro esotérico” é uma enorme contradição, pois um conhecimento verdadeiramente esotérico é por sua própria natureza um conhecimento oral, transmitindo pessoalmente entre gerações de iniciados. No máximo, existe aqui ou acolá um papiro ou pergaminho com anotações cifradas, mas a idéia de um livro, impresso industrialmente em grande quantidade, com conteúdo esotérico, é tão absurda quanto a de um cofre-forte sem porta.

Aliás, é bem sintomático que em todas as listas do mais vendidos, nos catálogos das editoras e nas prateleiras das livrarias vejamos estes dois rótulos sempre lado a lado: “Esoterismo e auto-ajuda”. Porque em princípio, pelo menos para mim, uma coisa não tem nada a ver com a outra. A relação entre os verdadeiros conhecimentos esotéricos e os manuais de auto-ajuda é a mesma que existe entre o ouro puro e as bijuterias de camelô. Mas o exoterismo cumpre uma importante função social. Sob a aparência de sabedoria oriental, medieval ou renascentista, ele dissemina entre a população uma porção de mensagens positivas, com uma aura de autoridade conferida pelo mistério.

Qualquer livro de auto-ajuda está cheio de coisas certas. É difícil eu folhear um deles e discordar de alguma coisa, porque eles só reiteram o óbvio. Seja otimista. Trate bem os outros. Não esquente demais a cabeça. Procure se dedicar ao que gosta. Se uma coisa estiver lhe fazendo mal, afaste-se dela. Comunique-se: procure saber o que os outros estão pensando, procure explicar o que você mesmo está pensando. E assim por diante. Tudo isto é óbvio, tudo isto são verdades que intuitivamente reconhecemos, mas precisamos da chancela de uma autoridade qualquer. Daí que os livros de auto-ajuda se dividam entre os da área científica (psicologia, medicina, nutrição, educação física) e os da área mística (astrologia, tarô, runas, ocultismo,, etc.). Tudo que dizem é verdade, é claro, é evidente, mas parece tão simples que só valorizamos se vier avalizado por alguma Sabedoria remota e imponente.

0535) O assassinato de Lee Oswald (5.12.2004)



Na cidade de Dallas (Texas) foi aberta uma exposição intitulada “Jack Ruby: Voices from History”, dedicada à elusiva e contraditória figura do sujeito que matou a tiros Lee Oswald, o suposto assassino de John Kennedy, em 1963. A verdadeira história do assassinato de Kennedy talvez nunca seja contada, embora fragmentos da verdade estejam espalhados pelas centenas de livros e filmes já produzidos sobre o assunto. Ruby e Oswald, protagonistas do atentado mais caótico do século 20, são personagens que hão de ser investigados para sempre, sem que se saiba com certeza quais as suas motivações.

Eu tenho uma teoria. (Sempre tenho uma teoria. Dêem-me dez minutos, e eu produzo, sobre qualquer tema, uma teoria tão redonda quanto uma sextilha de Pinto do Monteiro.) Para mim, não há dúvida de que houve uma conspiração para matar Kennedy; de que Lee Oswald era um dos instrumentos desta conspiração; de que tudo foi organizado para fazer parecer que Lee Oswald era o único atirador. A tese conhecida como “Oswald Agiu Sozinho” é a parte mais mirabolante e implausível de todas as discussões sobre Kennedy.

Kennedy era odiado pela direita conservadora, pelos fundamentalistas cristãos (que não engoliam um presidente católico, o primeiro da História), e desprezado pelas elites “rednecks” e rurais que o viam (com bastante realismo, aliás) como um sujeito vaidoso, mulherengo, metido a aristocrata, populista, pertencente a uma elite de galãs arrogantes que vivem com um pé na política e outro na mídia. Tramaram sua morte, e deu tudo certo. Aí apareceu Jack Ruby.

Houve um histórico Treze x Campinense, em 24 de novembro de 1974, onde (reza a lenda) as diretorias combinaram um empate. Seria bom para ambos: o Treze seria praticamente campeão do último turno, iria para a decisão com o Campinense, que entraria com vantagem, por ter ganho os turnos anteriores. Todo mundo combinou, mas esqueceram de avisar para Marcos de Itabaiana, um crioulo parecido com Viola (ex-Corinthians, ex-Vasco). Faltando dez minutos para terminar, Gil Silva (meio-campista, canhoto, craque, de estilo semelhante ao de Felipe, do Flamengo) enfiou uma bola entre os zagueiros do Campinense, Marcos entrou como um miúra, e fez o gol da vitória. Os jogadores do Campinense se revoltaram e alguém quebrou o nariz dele com um soco. Naquela noite, durante a comemoração, fomos, um grupo de 8 ou 10, visitá-lo no Hospital Antonio Targino.

Jack Ruby foi o Marcos-de-Itabaiana do assassinato de Kennedy. Estava tudo combinado, inclusive os depoimentos pseudo-verdadeiros que Lee Oswald, um bode expiatório cevado durante anos, daria ao FBI e aos tribunais. Todo mundo combinou, mas esqueceram de avisar a Jack Ruby, um sujeito que vivia de pequenos golpes e que, como todo americano, sonhava com notoriedade e manchetes. Ruby surgiu do nada para turvar águas que já eram turvas. Foi aquele elemento aleatório que nem mesmo o crime mais perfeito consegue prever.