quinta-feira, 12 de maio de 2011

2554) Harakiri (12.5.2011)



Este filme de Masaki Kobayashi, de 1963, é um clássico do cinema de samurais, e tem a verdade humana, o flagrante histórico-social e o arrebatamento épico daqueles grandes faroestes de John Ford ou Sérgio Leone. Eu o tinha visto apenas uma vez, em 1970, e ao revê-lo agora no DVD descobri que lembrava enquadramentos precisos, cenas inteiras, e a história, que é cruel e dolorosa. Um samurai empobrecido e sem patrão, um “ronin”, chega às portas da mansão de um poderoso clã e pede que lhe deem condições rituais de praticar o harakiri lá dentro. Havia na época um mau costume, entre samurais sem ética, de fingir querer praticar o harakiri para ser dissuadido à força de esmolas. Os homens do clã Yi forçam o “ronin” a praticar o harakiri com as espadas de bambu que levava consigo, o que torna sua morte humilhante e dolorosa. Algum tempo depois chega à casa um “ronin” mais idoso, fazendo o mesmo pedido. Quando o ritual é preparado, ele pede (bem ao estilo das narrativas orientais) para contar sua história e de como chegou àquela situação. E revela que é o sogro do “ronin” anterior, e diz que está ali para justificar a atitude do genro, e para vingá-lo.

É um filme com mais de duas horas de duração, sucessivos flashbacks, muitos diálogos. Dos seus mais de 120 minutos talvez apenas uns 15 sejam dedicados a combates de espadas, mas estão entre os melhores que o cinema já fez, principalmente o confronto (em flashback) entre dois samurais numa campina agitada pelo vento. Kobayashi usa a tela larga tipo cinemascope, num preto e branco belíssimo (infelizmente prejudicado na cópia-para-colecionadores que os amigos me repassaram), mas que pode ser avaliado vendo-se o trailer no YouTube. Não é todo diretor que usa a tela larga para enquadramentos tão precisos, tão expressivos, tão cheios de movimento.

O filme também nos faz pensar sobre a época dos samurais. Tendo surgido como os defensores armados dos clãs feudais, os samurais ficavam inúteis numa época de paz, como a descrita no filme (em torno do ano 1630). Homens treinados para a guerra, tinham dificuldade de se adaptar a tempos pacíficos, e acabavam se transformando numa estranha forma de lumpen-proletariado, quase mendigos que, não obstante, eram especialistas numa função dificílima e arriscada. Tem a ver com os veteranos da II Guerra Mundial, do Vietnam, da Guerra do Golfo, etc. Indivíduos que se sentem mais à vontade numa brutal situação de combate, matando gente, do que em casa, aguando as plantas do jardim e ajudando a esposa a cuidar do bebê.

Kobayashi, além de fotografar admiravelmente, usa o som de maneira notável. Numa cena em que um homem pratica tiro ao alvo com arco e flecha, escutamos até o rangido do arco sendo dobrado. O tropel dos passos no chão de madeira, os gritos e arquejos durante a luta. A música, com instrumentos tradicionais japoneses, surge com extrema economia e eficácia. Um filme que vale a pena encomendar na loja oficial.