domingo, 25 de novembro de 2018

4408) Visse? (25.11.2018)




(foto: Vanderlei Almeida)

Ainda não consultei a tabela, e não sei se o Flamengo já é “de fato” vice-campeão brasileiro, após a vitória de 2x0 sobre o Cruzeiro e a vitória de 1x0 do Palmeiras sobre o Vasco.

Um vice-campeonato por pontos corridos parece menos doloroso do que um vice num campeonato eliminatório por chaves como a Copa do Brasil ou a Libertadores. Aquele campeonato que a gente perde no derradeiro jogo.

Num destes torneios melodramáticos, de reviravoltas impossíveis e campanhas incontroláveis, você pode ser o oitavo dos oito classificados para a chave decisiva, e acabar sendo o campeão, como acho que já aconteceu com o Santos.

Tudo se decide num jogo, às vezes num lance, numa bola na trave, num gol perdido, num pênalte de Schrodinger, naqueles lances que no futuro virarão um “o empurrão em Sicrano” ou “a bola de Fulano que não cruzou a linha”. Esses mistérios que, à falta de outros registros e novos relatos, vão se perpetuar na eterna nuvem do “já que não se pode nunca saber como foi, pode-se afirmar qualquer versão que nos convenha”.

Um campeonato de pontos corridos tem também suas quedas bruscas e suas subidas estonteantes, mas é como se tudo acontecesse em câmara-lenta, as tendências de desempenho das equipes levam semanas para se delinear.

Num campeonato de pontos corridos, o que existe é um fluxo de desempenho único, do primeiro ao último jogo. Cada ponto vai contar, cada gol tem peso, e tudo o mais. É como se fosse um gigantesco jogo dividido em 38 fatias de noventa minutos.

Já num campeonato eliminatório, cada chave da parte decisiva está zerada em relação aos pontos ganhos e perdidos antes. Não tem mais contagem de pontos. Bate-se o martelo com o resultado dos jogos de ida e volta. É o mesmo jogo, só que menos gigantesco, tem apenas 180 minutos, dividido em dois segmentos de noventa.

É claro que do ponto de vista narrativo esta segunda modalidade é folhetim puro, é uma tragédia ou uma epopéia por semana, um dobrar de apostas em bases cada vez mais altas. Esta modalidade agrada quem está em busca de emoções, de folhetim, de melodrama, de corações e mentes se dilacerando em busca da vitória.

O campeonato de pontos corridos é feito aquelas poupanças onde você deposita um real a cada graça recebida e reza para que exista alguém lastreando seu saldo. Tudo nele é longo prazo, tudo nele pode ser projetado ao longo de 38 fortalezas de pedra ligadas por extensas passarelas como na Muralha da China, esticando-se até a parte inferior do calendário do ano.

Se você perde um campeonato de pontos corridos porque ficou 1 ponto (digamos) atrás do campeão, é inevitável pensar que “os pontos que precisamos agora foram os perdidos no jogo A, no jogo B, etc”.

É muito raro um campeonato de pontos corridos ter no último jogo, decidindo campeão e vice, os dois clubes mais bem colocados. Aí sim, haveria uma disputa pelo título travada dentro de campo, na grama, um contra o outro.

Literariamente, o campeonato por chaves e confrontos eliminatórios tem o suspense e o sem-fôlego dos folhetins de Alexandre Dumas e Maurice Leblanc, e se assemelha em estrutura aos relatos mitológicos dos trabalhos de Hércules. Uma sucessão de desafios, onde a cada dois passos o herói colapsa na vida ou na morte.

Já o campeonato de pontos corridos parece aquelas sagas históricas a longo prazo, contando gerações sucessivas de uma mesma família, século entrando em século. Aquelas trilogias de Érico Verissimo ou aqueles catataus de Balzac. Um modelo que Garcia Márquez retomou numa chave de magia para contar suas famílias colombianas.

Também literariamente o campeonato eliminatório pode ser visto como uma coletânea de contos, ou como uma novela de capítulos sucessivos que são unidades dramáticas em si mesmas. O campeonato de pontos corridos é um romance de dimensões dickensianas, jorgeamadianas, tolkienianas.

Ou mais até, porque diferentemente da maioria dos livros esse campeonato é um barco onde todos os personagens entram juntos e ficam todos juntos até o dia da última rodada, não sai ninguém de cena até a cortina fechar.

Isso são comentários meio ao correr de pena e ao sabor da viração, motivados pelos resultados de hoje. Quem gosta de futebol gosta por uma infinidade de razões diferentes, que nem sempre são as mesmas do nosso vizinho do lado.

Uma das coisas que me dão prazer, independentemente de torcer por algum time, é acompanhar campeonatos e ver como se desenvolvem. Vale também para campeonatos de vôlei, basquete, tênis, qualquer coisa. (Não sei se nesses, internacionalmente, usa-se muito o sistema de pontos corridos.)

Este ano de 2018 tivemos uma Copa do Mundo com uma narrativa morna, e os grandes momentos, de verdadeira emoção, só aconteceram por inevitabilidade estatística.

Já o Campeonato Brasileiro de 2018 começou com o Flamengo se sustentando numa liderança que não visitava há anos, controlando jogos difíceis, derrubando adversários. A parada do meio do ano para a Copa do Mundo não fez bem ao time (que já nem terminou no mesmo pique o chamado “primeiro turno”). O São Paulo aproveitou esse baque e assumiu a ponta, por algumas semanas, acho.

E então o grande Felipão ressurgiu das cinzas, e logo no Palmeiras. A grandeza de um técnico ou de um atleta às vezes não é pela genialidade técnica ou pela grande figura humana, mas apenas por ser um cara capaz de obter o impensável e desmoralizar o impossível. Depois da derrota de 2014, achava-se que ele não voltaria mais, e ele voltou.

O Flamengo, este ano, promoveu mais um jovem craque (Lucas Paquetá) e vendeu dois (Paquetá e Vinicius Jr.). A defesa é de pouca conversa, dá suas cabeçadas, tanto a favor quanto contra. O time continua sem ataque. Henrique Dourado parece às vezes que está jogando a partida que está passando noutro canal.

O grande número de gols marcados pelo time não resulta de ele ter bons atacantes, resulta do volume de jogo que a equipe consegue exercer, e aí o gol pipoca de qualquer ponto.

O goleiro César tem aparecido muito bem. Diego jogou menos do que no ano passado, e este ano quem melhorou muito foi Everton Ribeiro, que é bom armador e bom finalizador. O time nunca é o ideal, mas dá pro gasto.