Nem sempre (ou melhor, quase nunca) é fácil traçar uma linha
separando FC e fantasia, pelo modo peculiar como os elementos das duas sempre
aparecem misturados.
Arthur C. Clarke já afirmou que qualquer história onde se
viaje mais rápido do que a luz é fantasia, e não FC, porque uma tal viagem é
cientificamente impossível.
Há uma história de Ursula LeGuin (uma das primeiras que ela
publicou) em que elementos dos dois gêneros estão misturados de um modo muito
inteligente.
“Semley’s Necklace” (1964) conta a história de um povo humanóide
num planeta remoto, que tem uma civilização meio artesanal (suas armas são
espadas, lanças, etc.), e que monta cavalos alados, uma espécie de “pégasos”
naturais do planeta. Um mundo de fantasia heróica, por assim dizer. Semley é
uma jovem que por uma série de motivos precisa reaver um precioso colar que foi
subtraído do seu povo e levado para um museu em outro planeta.
Ela viaja até a
base dos colonizadores, e insiste tanto que eles a levam ao planeta onde a jóia
foi guardada, prevenindo-a de que a viagem é longa mas vai durar apenas uma
noite. Ela consegue a jóia de volta, mas quando retorna para sua aldeia
descobre que não se passou um dia inteiro, mas nove anos. Seu marido morreu na
guerra, e sua filha pequena é agora da mesma idade que ela.
É um conto que contrapõe duas civilizações,
uma “medieval” e a outra tecnológica, e mostra o choque cultural de uma pessoa
ingênua ao se deparar com os efeitos relativísticos de um voo espacial. Jamais passaria pela cabeça de Semley, em
sua cultura, que uma viagem pudesse durar uma noite num lugar e nove anos em
outro. A ciência vale inclusive para os que a desconhecem.
O filme
impressiona até hoje pelos efeitos especiais, excelentes para a época, mas tem
uma falha fundamental. Um submarino com sua tripulação, mesmo com seu tamanho
diminuído para uma fração de milímetro, continuaria pesando as mesmas toneladas
que pesa, porque sua massa continua sendo a mesma – apenas os espaços
intra-atômicos foram reduzidos (mais ou menos como um livro sem espaços em
branco mas com o texto completo gastaria a mesma tinta para ser impresso).
O próprio Asimov, autor da novelização, teve
que aceitar essa premissa obviamente anticientífica, e ela contamina de fantasia
toda a narrativa subsequente.