“It was twenty years ago today...”
Não, não foi há vinte anos, e sim há quarenta. Em 1 de junho de 1967 a gravadora EMI colocou nas lojas um LP dos Beatles com o excêntrico título (para a música da época) de Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band. A capa era mais excêntrica ainda: os quatro Beatles apareciam todos de bigode, vestindo uns uniformes de banda-de-música, cheios de galões, dragonas e alamares – e cercados por uma colagem de fotos de gente que passamos as semanas seguintes identificando e anotando num caderno.
Outra excentricidade: o disco tinha capa dupla, abria-se ao meio como um álbum, e (eu não quis acreditar quando vi, considerei aquilo um favor pessoal de Deus para comigo) as letras vinham todas impressas na contracapa. Escusado dizer que decorei todas, e sei a maioria até hoje.
Quem me revelou o Pepper’s foi o saudoso e sempre presente Jakson Agra, na sua casa da Rodoviária Velha. No tempo do Cineclube de Campina Grande, era ali que nos reuníamos para ouvir música e conversar sobre cinema, poesia, política, e tudo o mais. (Para que ninguém pense que éramos uns intelectuais pedantes, vale lembrar que também jogávamos pôquer e Olho Vivo, comíamos rapadura com coco verde, e falávamos da vida alheia).
Sergeant Pepper’s, com sua profusão barroca de orquestrações e efeitos eletrônicos, ícones “pop” e “melting pot” político, era a cara daquele tempo. Foi a primeira e talvez única vez em que uma capa de disco popular fotografou um século por inteiro.
O disco foi repetidamente eleito como o “melhor disco de rock” de todos os tempos, embora de rock mesmo ele tenha muito pouco. (Prefiro a distinção de Roberto Muggiatti, de que “rock-and-roll” é o que Chuck Berry e Elvis Presley faziam, e “rock” é o que os Beatles inauguraram nessa época)
Hoje, há um consenso em achar que Revolver (1966) lhe é musicalmente superior (com o que eu concordo), mas Pepper’s introduziu o “disco conceitual”, sendo composto e gravado como se se tratasse do trabalho de uma banda fictícia, com as canções se sucedendo sem interrupção. Teve seus excessos, que as gerações de roqueiros futuros, previsivelmente, e sensatamente, desancaram.
O fato é que os Beatles são um desses casos raros em que alguém conquista dinheiro e poder quase ilimitados, e em vez de utilizá-los apenas para seu próprio lazer e enriquecimento, prefere reinvestir tudo aquilo nos seus próprios meios de produção, e muda para sempre uma arte, um mercado, uma visão do mundo.
Nesse momento em que podiam tudo, os Beatles introduziram na música popular o experimentalismo eletrônico, a filosofia oriental, o cinema de vanguarda e muito mais. Criaram pontes entre universos que até então se ignoravam.
As portas que eles abriram há quarenta anos nunca voltaram a se fechar, e são tão largas que a galera que veio depois achou desnecessário abrir outras. A música “pop” de hoje, a boa e a ruim, é filha daquele disco.