O escritor Neil Gaiman conta que no início de sua carreira, ainda pouco conhecido, recebeu um telefonema de uma editora propondo-lhe trabalho. Queriam saber se ele estava disposto a escrever um livro sobre um artista de rock, uma espécie de biografia. Ele se entusiasmou com a idéia e começou de cara a propor temas: Velvet Underground, David Bowie, Elvis Costello... A editora o interrompeu e disse: “Calma, não é você quem escolhe. Me diga: você quer escrever um livro sobre Barry Manilow, sobre o Def Leppard ou sobre o Duran Duran?”. Gaiman acabou topando escrever sobre o Duran Duran, que era uma banda relativamente nova, porque, diz ele, “para escrever sobre Barry Manilow eu teria que escutar pelo menos uns 40 discos de Barry Manilow”. O livro foi escrito, e é Duran Duran: The First Four Years of the Fabulous Five (1984).
Escritores
principiantes têm às vezes uma idéia meio maniqueísta sobre os conceitos de
trabalho artístico e trabalho comercial. O trabalho artístico seria aquele que
“vem de dentro”, como se costuma dizer. Uma idéia que o artista tem por uma
mera idiossincrasia pessoal, uma inspiração, um impulso, uma veneta soberana do
seu Ego. E o trabalho comercial seria
aquele que ele faz por dinheiro, pressionado por pessoas de moral escusa que
percebem o momento financeiramente fragilizado que ele vive; um trabalho que
não se distingue da prostituição, da venda de favores sexuais para pagar o
aluguel, o condomínio e o seguro do carro.
Nem
tanto ao mar nem tanto à terra, pessoal. O que a vida real nos propõe são
situações próximas do episódio relatado por Gaiman. Na minha experiência,
recebo o tempo todo propostas como aquela. Nem somos totalmente livres para
escolher, pois se trata se um projeto alheio para o qual estamos sendo
convidados, nem somos obrigados a aceitar tudo – há sempre uma margem de
múltipla escolha onde podemos escolher o que mais nos agrada, ou o que menos
compromete a nossa reputação. E, no caso do artista freelancer, existe a
possibilidade de dizer: “Ih, rapaz, não achei muito interessante. Chama outra
pessoa, mas na próxima vez me fala de novo, pode ser que role.”
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