Bob Dylan falava sobre os cartões-postais com fotos de linchamentos sendo postos à venda, e virando itens de colecionadores. Naquele tempo, principalmente lá no Sul dos EUA, linchavam-se negros e migrantes, que depois eram fotografados em encenações grotescas. Outras fotos são meros retratos crus dos corpos pendentes, como a “estranha fruta” cantada por Nina Simone. E as pessoas colecionavam isso. Por que? Bem, primeiro porque gostavam, segundo porque não era proibido, e terceiro porque colecionador é alguém que tem que colecionar alguma coisa, então eles escolheram aquilo.
“As pessoas passaram a achar que têm mais direitos do que
realmente têm,” disse José de Souza Martins (“Revista e”, Sesc-SP); só que “a
relação social, no dia a dia, é uma negociação permanente.” Repito que nada no mundo se compara à
intensidade com que um rico exerce seus direitos e um pobre os seus deveres. E
o direito de vida ou morte é a distopização final.
Tremam, míseros mortais, diante de qualquer grupo de pessoas
com certeza absoluta de uma total impunidade e do mais inviolável segredo! O mundo
está cheio delas. Existem, sim, e agem como se fossem a mais mefistofélica
Camorra dos Bórgias. De situações assim
estão cheios os techno-thrillers cyber-conspiracionistas. Elites intocáveis de
homens de terno preto decolando em helicópteros e falando em cifras. Os superóis
do lumpen. A mitologia do século corporativo criou tais poderes, e a
impenitência desses poderes, para que um bilhão de zés-ninguém se catapultem
como super-homens, e tomara que algum saiba aterrissar.
“O linchamento,” diz o professor da USP, “se desenrola em um
quadro mental de absoluta loucura, é uma loucura súbita. (...) As pessoas não
sabem o que estão fazendo, e não é que elas estejam fingindo.” Isso deve valer para esses linchamentos
brutais de rua, uma pessoa sendo atacada por um grupo, e os dois acompanhados
por uma multidão. Às vezes se verifica, depois, que foi tudo meio por acaso, um
ladrãozete passou correndo e deu azar de ser pegado, somente isso. “Olhe,
doutor, minha vida pra mim é tudo, mas eu sei que pra sociedade a minha vida
não vale nada, então vida nenhuma pode valer mais do que a minha,” disse um que
por enquanto escapou.