(Frederick Douglass, 1818-1885)
Maîtres et Esclaves foi o título dado em francês ao nosso Casa Grande & Senzala (1933) de
Gilberto Freyre. Um livro clássico e
polêmico desde o início, remexendo nas camadas inconscientes e coletivas da
civilização do açúcar, e reorientando discussões sobre escravidão e raça.
Já li Freyre escondido de alguns amigos, para os quais ele era um burguês que negava a existência de racismo no Brasil. Freyre era um burguês, sim, mas, como ele mesmo observa em O Camarada Whitman (1948), “burguês não no seu sentido marxista mas no francês, no flaubertiano, em que se contrapõem não burguês e proletário, mas burguês e artista”. É medida do seu talento e de sua complexidade ter sido burguês e artista com intensidade igual.
Já li Freyre escondido de alguns amigos, para os quais ele era um burguês que negava a existência de racismo no Brasil. Freyre era um burguês, sim, mas, como ele mesmo observa em O Camarada Whitman (1948), “burguês não no seu sentido marxista mas no francês, no flaubertiano, em que se contrapõem não burguês e proletário, mas burguês e artista”. É medida do seu talento e de sua complexidade ter sido burguês e artista com intensidade igual.
Freyre descascou muitas camadas emocionais dos séculos de
contato íntimo entre famílias brancas e escravos pretos. Citei dias atrás
Joaquim Nabuco, em Minha Formação (1900), falando dos laços de afeto entre
senhores e escravos. Naquele livro, Nabuco anota em seu diário, em 1877,
durante sua estadia nos EUA:
“19 de junho. Os jornais têm hoje um fato interessante: a visita feita por Frederick Douglass ao seu velho senhor, que deixou na adolescência, para começar a vida de aventuras que o levou até a ser ‘marshall’ em Washington e o grande orador da abolição que foi. ‘Vim antes de tudo,’ disse Douglass, ‘ver meu velho senhor, de quem estive separado quarenta e um anos, apertar-lhe a mão, contemplar-lhe o velho rosto bondoso, brilhando com o reflexo da outra vida’”.
“19 de junho. Os jornais têm hoje um fato interessante: a visita feita por Frederick Douglass ao seu velho senhor, que deixou na adolescência, para começar a vida de aventuras que o levou até a ser ‘marshall’ em Washington e o grande orador da abolição que foi. ‘Vim antes de tudo,’ disse Douglass, ‘ver meu velho senhor, de quem estive separado quarenta e um anos, apertar-lhe a mão, contemplar-lhe o velho rosto bondoso, brilhando com o reflexo da outra vida’”.
Nabuco diz que essa cena o comove mais do que A Cabana do
Pai Tomás. A reconciliação entre o ex-escravo e o ex-dono, que ele não via
desde os dezoito anos, se deu após a Guerra da Secessão e a emancipação dos
escravos, quando Douglass já era escritor e orador famoso, e já tinha até se
candidatado a vice-presidente dos EUA.
E olha que, segundo os registros, o Capitão Thomas Auld, nos velhos tempos, entregou Douglass a um feitor tido como “amansador de escravos”, para meter a chibata no rapaz e fazê-lo desistir de ler e de discutir idéias. (Não conseguiu, claro.)
E olha que, segundo os registros, o Capitão Thomas Auld, nos velhos tempos, entregou Douglass a um feitor tido como “amansador de escravos”, para meter a chibata no rapaz e fazê-lo desistir de ler e de discutir idéias. (Não conseguiu, claro.)
Parece que naquele momento valeu mais a pena, para ambos, deixar que as feridas cicatrizassem, e tentar reunir cidadãos de boa vontade para renegociar o futuro.
A escravidão foi um crime que só deixou três respostas possíveis: a vingança, o perdão e a justiça. Difícil é definir a natureza e a medida de cada uma.