terça-feira, 1 de outubro de 2013

3307) Os biocibs (2.10.2013)




Recentemente, no VII Fantasticon (São Paulo), participei juntamente com o escritor Luiz Braz de um debate sob o tema “Nós, Ciborgues – Nosso Futuro Pós-Humano”. 

Luiz, que tem escrito nos últimos anos uma ficção científica complexa e elaborada (incluí um conto dele em minha antologia Páginas do Futuro, pela Casa da Palavra) lembrou que estamos nos aproximando de uma época em que os órgãos humanos começam a ser não somente substituídos por próteses cibernéticas, mas substituídos com expansões inesperadas. 

E citou o exemplo de um inglês que, tendo um defeito na vista que o leva a ver tudo em preto e branco, fez implantar sensores especiais que transformam em sons as impressões cromáticas, o que lhe possibilita, literalmente, “ouvir as cores” do ambiente à sua volta. E perguntou: não será que a ciência desta vez está muito mais adiantada do que a ficção científica?

Os ciborgs já são até meio antigos na FC. A pesquisadora Lúcia Santaella prefere o adjetivo “bio-cibernético” aplicado a esses corpos, e esse termo me evoca de imediato o romance A Era dos Biocibs, de Jimmy Guieu (1960), onde o termo já aparecia. De um modo geral, ciborgues ou seres biocibernéticos são seres humanos aumentados, com diferentes funções. 

Em Limbo (1952) de Bernard Wolfe, braços e pernas com sistemas hidráulicos substituem os membros orgânicos voluntariamente amputados. 

Em Neuromancer (1984) de William Gibson o cérebro dos personagens é plugado numa rede de computadores. 

Em “Scanners live in vain” (1950) de Cordwainer Smith, humanos são capazes de controlar e monitorar funções e sensações corporais.

A FC pode imaginar expansões cibernéticas em qualquer direção. 

Pessoas com implantes de antenas-bigodes-de-gato, sensíveis aos movimentos alheios e à deslocação do ar, mesmo no escuro. 

Mucosas nasais hipersensíveis (humanos com olfato de cães). 

Tatuagens medicinais (tintas com substâncias curativas ou alucinógenas). 

Chips-GPS implantados em dançarinos para perfeita coordenação de balés. 

Microfones direcionais acoplados aos ouvidos, ampliando o som do local para onde o portador está olhando. 

Combinações de plugs-e-tomadas neurais, mútuas, para ampliar as sensações durante o sexo. 

Miniamps auriculares para músicos de palco, com vários canais. 

Telas digitais luminosas subcutâneas na palma da mão. 

Cyberportas no crânio para plugs que têm na outra ponta pele sintética e cabelos. 

Sistemas internos de controle e de revigoração, ativados por combinações de gestos tipo ginástica. 

Adesivos químicos na pele para não dormir, para não cansar, para dormir, para descansar. 

As possibilidades, como sempre, são infinitas.








3305) Bloqueio de escritor (1.10.2013)




O ofício literário é cheio de mitos bons e maus. Um dos piores é o “bloqueio do escritor” (“writer’s block”), o popular “branco”, que acontece quando o sujeito se vê meio que congelado, a mente imobilizada, incapaz de produzir uma única idéia, uma única frase. Eu sei o que é ficar empacado num conto ou num romance – aliás, tenho mais contos empacados do que contos publicados. Chega um ponto em que a gente não enxerga o que vai acontecer em seguida, ou enxerga mas não consegue encontrar o tom de voz adequado para dizê-lo. A gente para e vai fazer outra coisa, à espera de que o problema esteja resolvido na próxima vez em que a gente tentar. Às vezes se resolve sozinho. Geralmente, não.

O escritor Steven Brust, interrogado sobre o que faz quando lhe “dá o branco”, respondeu: “Externamente, ando pela casa pisando forte, dando olhares ameaçadores para todos, e ameaçando matar o cachorro, até que finalmente consigo desenganchar, e então tudo melhora, eu percebo o quanto estou me divertindo em escrever aquilo, peço desculpas a todo mundo que possa ter ofendido, e ameaço matar o cachorro. Por dentro, eu fico checando todos os conselhos que dou aos meus alunos sobre como visualizar a próxima cena (o que às vezes funciona). E digo para mim mesmo o tempo todo: você já passou por isso, é parte do processo, fica frio, vai dar certo. Releio o que escrevi até aquela altura. Examino listas de desdobramentos possíveis. Ou então ignoro o livro por completo e tento pensar em outras coisas. Escrevo críticas imaginárias na minha mente, culminando com o trecho em que o crítico imaginário diz: ‘Mas o melhor momento do livro é quando...’, e tento concluir a sentença descrevendo o trecho do livro que não estou conseguindo escrever. Cedo ou tarde, alguma combinação desses procedimentos funciona, e a vida volta a ser uma coisa boa. Exceto pelo cachorro. Continuo ameaçando livrar-me dele.”

O “branco” é uma combinação de indecisão intelectual e pavor emocional. Tem suas raízes no mesmo desvão psicológico onde se situa a “brochada”, a impotência sexual num indivíduo fisicamente capaz de executar o que pretende. É um pavor cumulativo, que tende a aumentar quando a vítima pensa: “não, não é possível, está acontecendo de novo, vai acontecer pelo resto da minha vida!”. Alguns escritores tiveram “brancos” que duraram anos ou décadas. Dashiell Hammett não escreveu mais nada entre 1934 (ano de seu último livro, The Thin Man) e sua morte em 1961. Alguns autores se retiram da literatura alegando insatisfação ou outro motivo. Quem nos garante que não são vítimas do “branco”, mas são orgulhosos demais para admitir?