sábado, 21 de agosto de 2010
2326) “As esposas de Stepford” (21.8.2010)
Em O Bebê de Rosemary (1968) de Roman Polanski, um jovem casal que começa a ascender socialmente vai morar num grande apartamento no Central Park. Aos poucos, a mulher vê o marido se portando de maneira estranha, e descobre, para seu horror, que ele se juntou a um grupo de vizinhos satanistas que pretendem fazer com que ela engravide do Diabo e dê à luz o Anticristo.
Em As esposas de Stepford (1975) de Bryan Forbes, um jovem casal que começa a ascender socialmente vai morar numa grande casa no subúrbio. Aos poucos, a mulher vê o marido se portando de maneira estranha e descobre, para seu horror, que ele se juntou a um grupo de vizinhos cientistas que pretende fazer com que ela seja substituída por um andróide programado para obedecer passivamente ao marido.
Estes dois filmes tão diferentes e tão parecidos são ambos baseados em romances de Ira Levin (publicados respectivamente em 1967 e 1972).
Liguei a TV um dia destes e estava nos minutos iniciais de The Stepford Wives, que eu vira há uns 20 anos. Sentei no sofá e vi até o fim, mas como não vi os créditos iniciais não me lembrei (talvez nem soubesse) dessa participação de Ira Levin. Mas a certa altura pensei: “Danou-se, é igualzinho ao Bebê de Rosemary”.
Isto mostra que é possível pegar a mesma história emocional (a mesma sinfonia macabra de alegria, depois ensombrecimento, depois angústia, terror e dilaceração final) e contá-la em duas histórias factuais muito diferentes, e até de gêneros diferentes. A mecânica é a mesma; o esqueleto dramatúrgico é o mesmo (claro, detalhes variam aqui e acolá); mudam apenas o cenário, os personagens e a natureza interna de alguns processos.
As esposas de Stepford (que foi grotescamente refilmado, com Nicole Kidman e Matthew Broderick) é um filme de FC meio desdenhado pela crítica; revendo-o agora, constatei o quanto é atual. Ele é o pesadelo de uma mulher independente perdida num inferno consumista, alienado.
As mulheres de Stepford parecem esposas de candidatos do Partido Republicano: passam o dia maquiladas, com cabelo armado, trajando vestidos longos e estampadíssimos, com chapéus de sol; devotam-se às tarefas domésticas, e obedecem cegamente aos maridos. Não, “cegamente” não: obedecem de olhos abertos e com um inextinguível sorriso nos lábios. Numa cena em que a protagonista entra sem avisar na casa da vizinha, ouve o casal no quarto, e a amiga, que é casada com um panaca, gemendo de êxtase e dizendo que ele é “o maior, o campeão”.
Sim, os maridos (são todos cientistas, o que em círculos republicanos não está muito longe de serem todos satanistas) copiaram todos os detalhes da aparência de suas esposas, transferiram tudo para andróides bem programados, e, digamos, descartaram a versão biológica.
Um pesadelo cruel e philipkdickiano que mistura Hustler e Popular Mechanics, com uma colher de Casa & Jardim e dois dedos de Vampiros de Almas.
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