No balanço de vida que faz em Minha Formação (1900) Joaquim Nabuco registra os sentimentos contraditórios e sofridos de abolicionistas brasileiros que eram de famílias escravocratas. Ter escravos não causava a essas famílias mais dramas de consciência do que causa, às de hoje, o fato de ter cozinheiras e babás. Fazia parte do tecido social, e se estava funcionando a contento, quem ia mexer? Quem se dispôs a mexer foram os abolicionistas, beneficiários do sistema, mas dispostos a sacrificar-se junto com ele. E ainda tiveram que ouvir as piadinhas inevitáveis: “Como assim, seu pai tinha 300 escravos e você quer acabar com a escravidão?...”
No famoso capítulo “Massangana” desse livro, Nabuco
reconstitui momentos de sua infância, lembra sua Madrinha cercada de escravos,
e a noite da morte dela, com ele ainda menino. Lembra o desespero dos escravos
que não sabiam o que seria feito deles a partir daí: “A mudança de senhor era o
que havia mais terrível na escravidão, sobretudo se se devia passar do poder
nominal de uma velha santa, que não era senão a enfermeira dos seus escravos,
para as mãos de uma família até então estranha. (...) O que mais me pesava era
ter que me separar dos que tinham protegido minha infância, dos que me serviram
com a dedicação que tinham por minha madrinha, e sobretudo entre eles os
escravos que literalmente sonhavam pertencer-me depois dela.”
Nabuco aponta inúmeras vezes um sentimento que admira: o
sentimento de gratidão dos escravos para com aqueles senhores que os tratavam
bem, cuidavam de suas famílias, não usavam de castigos. Numa espécie de
Síndrome de Estocolmo antecipada, os escravos se afeiçoavam aos senhores: “Não
só esses escravos não se tinham queixado de sua senhora, como a tinham até o
fim abençoado... A gratidão estava toda do lado de quem dava. Eles morreram
acreditando-se os devedores”.