O
websaite Metafilter abriu com seus numerosos leitores um questionário
interessante, nos seguintes termos: “Quais são os hábitos da sua família que
para você eram normais e comuns, e você só percebeu que eram excentricidades quando
foi morar fora?”.
As
respostas variam muito, e fazem a gente pensar de novo que “ninguém é normal
visto de perto” ou que “nenhuma família é normal vista de fora”, e assim por
diante.
É
bom lembrar que a imensa maioria dessas respostas vem de pessoas nos EUA, e que
talvez respostas brasileiras trouxessem uma variedade interessante de hábitos
malucos que são só nossos.
Abaixo, algumas respostas que me chamaram a atenção.
Cada parágrafo é de uma pessoa diferente.
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Minha família
comia arroz de colher. Ainda hoje afasto os olhos quando vejo alguém comendo
arroz com garfo.
Minha mãe
ensinou a gente que não se usa uma toalha duas vezes, é um hábito grosseiro.
Perdi esse costume depois de adulto, quando fui usar lavanderias pagas. Fico
pensando no que era usar três toalhas para um único banho de chuveiro.
Quando saí de
casa, as pessoas me olhavam esquisito porque eu comia comida vencida e não me
incomodava de cortar partes mofadas ou podres de algo e comer o resto. Meus
pais cresceram durante o racionamento de comida da II Guerra, e minha mãe ainda
hoje prefere comer o pão “dormido”.
É um pecado
grave o fato de nós, filhos, não sermos capazes de impedir nossa mãe de agir
assim. Mas ela lava o peixe antes de preparar. Ela lava com detergente.
Quando criança
eu não tinha a impressão de viver num lar muito religioso, mas sempre ouvi
dizer que nossos amigos de famílias não-cristãs eram gente inferior, que pais
que deixavam seus filhos ver filmes proibidos para menores eram imorais, que eu
devia lamentar as crianças filhas de pais separados, etc. Eu não tinha noção do
que era a vida dos adultos até passar a viver só. A religião deixou de fazer sentido
para mim no momento em que ninguém me obrigou mais. E todas aquelas pessoas que
eu cresci vendo como imorais, deixaram de parecê-lo.
Em nossa casa,
costumávamos ter longas discussões em formas de cartas compridas e formais que
eram entregues na mão do destinatário, com seriedade absoluta. Descobri que
isso não é um costume universal.
As pessoas da
minha família sempre levam um isopor de cerveja quando vão a um velório, e
quando as coisas começam a ficar muito emotivas, saem para beber lá fora.
Lá em casa se
lava a banheira antes e depois de cada banho, mesmo quando as pessoas tomam
banho sucessivamente. Quando falo nisso fora de casa, todo mundo fica chocado.
Ao que parece, eles só lavam a banheira uma vez por semana.
Nas velhas
fazendas da minha infância, ninguém usava a porta da frente. Todo mundo (com
exceção do padre local) entrava direto pela porta da cozinha, que era também o
local onde as pessoas passavam 90% do tempo, porque fazia menos frio.
Quando eu era
garoto, a família de um amigo meu mantinha toda a mobília da sala de visitas
ainda embrulhada em plástico, do jeito que veio da loja, para não se estragar.
Uma coisa da
minha família que nunca encontrei em nenhuma outra foi que minha avó e a irmã
dela gostavam de cachorros, e todos tinham sempre o mesmo nome. Os cães da
minha avó se chamavam Smokey, e os da minha tia-avó eram Duke. Elas tiveram
dezenas de cachorros ao longo da vida, e todos sempre tiveram esses mesmos
nomes.
Durante anos,
na minha infância, tínhamos uma reunião familiar todo domingo. Repassávamos as
anotações do domingo anterior, depois cada um de nós dizia uma coisa de que
podia se orgulhar da semana que passou, e cada um fazia um elogio a cada
membro. Depois encerrávamos cantando uma canção.
Éramos cinco
filhos e havia só um banheiro, de modo que não tínhamos o conceito de
privacidade. Era muito normal um de nós estar sentado na privada enquanto outro
escovava os dentes ou tomava um chuveiro. Acho que somente aos doze anos
percebi que as demais pessoas fechavam a porta quando iam ao banheiro.
Quando a gente
dizia a mamãe que estava com fome e ainda não era hora do jantar, ela tirava
hotdogs do congelador, e a gente comia como se fossem picolés. Depois fiquei
sabendo que isso não é a norma.
Quando a gente
queria um gole rápido de água, abria a torneira e colocava a boca embaixo.
Ainda lembro O HORROR no rosto da minha amiga do colégio quando fiz isso na
casa dela.
A gente tinha
um piano na sala, junto da porta de entrada. Quando meu pai chegava, tirava as
chaves e a carteira do bolso, e punha em cima dele. Depois o piano foi vendido
e substituído por um mesa, que todo mundo continuou chamando “o piano”. Quando
meus pais se mudaram e levaram a mesa, ela foi parar na sala de jantar da casa
nova, e ainda era “o piano”, e meu pai ainda hoje põe as chaves e a carteira em
cima dela.
Meu pai era um
trabalhador autônomo e tinha o hábito de encerrar o dia de trabalho às 16:00,
vir para casa, e todo mundo jantava às 16:30. Quando cresci, fiquei uns dias na
casa de alguém e quando deu 18:00 e nada de ninguém pôr a mesa, comecei a
pensar: “Esse povo idiota não janta não?!”
Na minha casa
não tinha isso de Papai Noel. Eu já era adulto quando percebi que muitas
crianças, em algum ponto da vida, acreditam que ele existe, e os pais fazem
encenações a sério, neste sentido. Quero dizer, a gente o via nos filmes e na
TV, mas sempre achou que era um personagem como os demais.
Na minha
família a gente cantava e dançava pela casa com frequência, como se fosse um
musical.
Uma amiga
minha da faculdade vinha de uma família onde havia o costume de apertar a mão
de todas as pessoas dentro do carro, quando se cruzava a divisória entre dois
Estados. Imaginem a surpresa dela e o choque das outras pessoas quando ela quis
fazer isso em nossa primeira viagem da turma.
Minha família
viajava pouco, de modo que eu não tinha a menor noção dos processos envolvidos
nisso. Eu já tinha mais de 30 anos quando entendi que a gente podia usar as
gavetas e os armários quando se hospedava num hotel.
Minha mãe
passava uma hora inteira à noite fazendo suas preces, e ai de quem a
interrompesse. Ela sempre tomava um drinque à noite, antes de dormir. Com sete
anos de idade eu já sabia preparar uma vodka com suco de laranja, ou um gim com
tônica.
Quando tínhamos
visitas, minha mãe já estava limpando a casa antes mesmo deles irem embora. As
pessoas estavam conversando descontraidamente na sala e ela já estava pegando
os copos para lavar (mesmo que elas não tivessem acabado de beber), e passando
o aspirador de pó em volta dos pés delas. Quando todo mundo ia embora, a casa
já estava limpa e reluzente.
Quando meu
marido e o irmão dele eram garotos, toda vez que queriam alguma coisa realmente
importante tinham que apresentar uma proposta por escrito.
Meus irmãos e
eu tínhamos cores predeterminadas para tudo que era nosso: toalhas, xícaras,
escova de dentes, peças de jogos de tabuleiro. Meu primeiro companheiro de
quarto na universidade se horrorizou ao saber que eu nunca pude ter uma caneca
verde, mesmo sendo minha cor favorita.
Na família do
meu marido, todo mundo cresceu acreditando que se não rezassem antes de cada
refeição iriam contrair botulismo.
Acho muito
estranho quando as pessoas vestem crianças todas de preto quando as levam para
um velório ou funeral. As crianças deveriam vestir algo formal, mas não tem que
ser tudo preto.
Cresci numa
família numerosa, onde em dias de festa (Natal, etc.), depois da ceia todo
mundo ia para a cozinha, ajudar a lavar os pratos. Era um momento agradável, de
brincadeiras, convivência, ninguém se incomodava. Entendia-se que as pessoas
que tinham dado duro para preparar o jantar estavam desobrigadas disto. Tive
momentos desconfortáveis na casa dos pais da minha esposa quando tentei ajudar
a lavar os pratos, porque lá homens NÃO LAVAM prato nenhum. Eles ficam sentados
na cadeira de balanço.
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Tem
muito mais coisas, mas cabe ainda um comentário. Muitas vezes uma pessoa toma uma
atitude qualquer, e nós interpretamos essa atitude como sendo uma decisão intelectual ou moral dela. Mas pode ser
apenas um desses “modos de ser” que assimilamos muito cedo.
No
contexto paterno-materno-fraterno, milhares de hábitos e valores se formam sem
que nem nos passe pela cabeça questionar aquilo. Afinal, uma criança aprende dezenas
de coisas diferentes por dia. Fica tudo internalizado e ninguém questiona mais.
A gente aprende um jeito, e em geral morre sem sequer perguntar o “por
quê” de ser assim, e não assado.
Algo
parecido ocorre com valores, costumes, conceitos e preconceitos. Opiniões
políticas, religiosas, informações sobre o mundo e a vida em geral. O que uma
criança aprende tem chances de ficar sendo para ela a pura expressão da
verdade.
Como
dizia o filósofo, é mais fácil matar e morrer por uma idéia do que questionar
essa idéia, seja ela qual for.