São guerras festivas: uma revolução dos cravos, uma
revolução das umbrelas. Uma cidade tomada por um milhão de guarda-chuvas
abertos, enfrentando os policiais com seus cães e seus escudos. A revolução é uma espécie de rito sazonal
que dá a volta ao mundo de tantos em tantos meses. Em Hong-Kong, os jovens querem votar. Para eles, como para qualquer bando de idiotas que fique,
digamos, uns vinte anos sem votar, eleger um Presidente é uma conquista. Se contentarão com essa duvidosa honra,
quando a conseguirem, ou terão coragem de encarar todo este resto?
Um poeta desfolha a bandeira, uma moça desabrocha a
sombrinha, e o fato de ser jovem e estar num epicentro qualquer a eleva nos
ares como uma Mary Poppins interpretada por Michelle Yeoh. Era uma hongkonguiana qualquer, uma menina
filha dum pessoal e que estudava num colégio, até então uma garota como
qualquer outra. De repente podia
votar. De repente podia escolher em
quem queria votar. De repente, um belo
dia, podia estar pedindo aos outros que votassem nela.
O fato de poder quantificar vontades individuais (em
eleições, referendos, etc.) é útil principalmente num mundo em que temos de um
lado cidadãos sem noção dos seus mínimos direitos diante dos demais, e do outro
lado cidadãos sem noção dos seus mínimos deveres diante da sociedade. Tem gente que acha que está lá para ser
capacho mesmo, e a vida não poderia jamais ter sido outra coisa. E tem gente que, como se diz por aí, “é só
venha-a-nós, e ao vosso reino nada.”
Outra faceta disso é que o voto do cientista político vale
tanto quanto o do analfabeto, o do governador tanto quanto o do mendigo, embora
longe da urna tudo volte à proporção anterior. Além do mais, as eleições são
uma maneira de provocar uma febre artificial no povo, estudar suas reações,
programar-se para montá-lo. O povo é um
cavalo cheio de venetas, aguenta mil coisas mas de vez em quando manda um pro
espaço. Quem ambiciona montá-lo tem que
estudar seus corcoveios – e suas preferências gastronômicas.
Eu não acho que o sistema do voto seja garantia de
democracia. Poder votar é poder opinar,
mas um voto no meio de dezenas de milhões perde peso, quase desaparece. Deve ser emocionante viver numa cidadezinha
tão pequena que uma eleição de vez em quando seja decidida por um voto, como um
jogo de basquete por um ponto.