Em meu livro A Pulp Fiction de Guimarães
Rosa (Ed. Marca de Fantasia, João Pessoa, 2008) analiso estes contos que Rosa
publicou, quando tinha 21-22 anos, em O Jornal e na revista O Cruzeiro.
Minha primeira informação sobre eles veio de um artigo publicado por Ivan
Teixeira no Estado de São Paulo (26.9.1992). Na Biblioteca Nacional, no Rio,
consultei os originais, copiando longos trechos com lápis de grafite, para
poder escrever o meu comentário. Agora os quatro contos saíram na íntegra pela
Nova Fronteira, com um prefácio elogioso de Mia Couto.
Qualquer leitor de Guimarães Rosa
e qualquer admirador da literatura fantástica sairá enriquecido da leitura destes
“contos de aprendiz”, que mostram o escritor mineiro, ainda verde, vivendo
aquele momento quântico em que um rapaz inteligente e devorador de livros pode
se transformar tanto num imitador da literatura alheia quanto num autor capaz
de reinventar a literatura. Rosa era um
sujeito vaidoso. Todo mundo que escreve é vaidoso, mas alguns têm a vaidade dos
perfeccionistas, para quem nada do que produzem está à altura de sua
genialidade, e acham que precisam retrabalhar ainda mais o texto. São sinais
evidentes disto o fato de que ele rejeitou Magma (um bom livro de poemas) e
estes contos, onde passa do gótico (“O mistério de Highmore Hall”) para o
“weird” (“Tempo e Fatalidade”), e da fantasia heróica ("Makiné”) para o
regionalismo exótico (“Caçadores de Camurças”). Sem falar que passou cerca de oito
anos retrabalhando os contos de Sagarana até achar que mereciam publicação.
Os contos experimentais de Rosa talvez desagradem àqueles que têm em mente um
Guimarães Rosa monolítico, categorizado, decifrado por fim. Eu gosto deles
porque suas influências juvenis modificam e enriquecem a obra posterior, revelam
camadas de sensibilidade e de prosa que, em retrospecto, vemos estarem
presentes nos sertões futuros. O passado pode ser modificado quando uma nova
descoberta nos traz novas revelações, e Guimarães Rosa ainda não disse tudo que
veio dizer.