sábado, 10 de março de 2012

2814) Policiais e detetives (10.3.2012)




(Agatha Christie)

O romance policial evoluiu em dois troncos paralelos, que têm pouco a ver um com o outro. De um lado, a linha intelectual, onde o assassinato é um enigma que precisa ser resolvido pela inteligência de um detetive que, em geral, não faz mais do que olhar a cena do crime, conversar com os suspeitos, pensar bem muito e depois dizer quem foi (autor típico: Agatha Christie). Do outro lado, a linha ativista, em que o detetive interroga suspeitos de modo anticonvencional, vai pra cama com as suspeitas, dá porrada a torto e a direito, e no fim esbarra por acaso com o criminoso e o executa a tiros (autor típico: Dashiell Hammett).

Por isto há tantos mal entendidos quando alguém diz: “Você me sugere algum livro policial?”. É preciso saber do que o outro gosta, porque em ambos os subgêneros há coisa muito boa e muita coisa ruim. Por exemplo: hoje em dia a crítica não suporta nem as elucubrações intelectuais de S. S. Van Dine nem a truculência de Mickey Spillane.

Alguns autores corajosos tentem de vez em quando misturar os dois tipos de narrativa. Philip Marlowe, o detetive de Raymond Chandler, faz o tipo inteligente e durão. O que impede de classificá-lo totalmente na linha dos intelectuais é o fato de que as histórias de Chandler são mais realistas do que as de Agatha Christie, ou seja, são histórias desorganizadas, em que as pessoas praticam atos meio gratuitos, esquecem-se de algo, interferem sem querer nas ações dos outros, de modo que deduzir os crimes cometidos por elas envolve sempre uma margem enorme de pressuposições, de raciocínios incompletos e argumentos tipo “não sei por quê, mas só pode ter acontecido assim”.

Quanto mais intelectualizada uma história policial, ou seja, quanto mais amarradinha for a narrativa em termos de pistas, oportunidades, deduções e explicação do crime, menos realista ela é, porque as coisas raramente acontecem assim na vida real. Ler livros sobre crimes reais é sempre muito educativo para comparar com esse tipo de literatura, porque na vida real os crimes são mal-feitos, mal planejados, mal executados, feitos de improviso, no calor do momento e dos acessos de fúria. Por outro lado, os crimes planejados e executados com precisão requerem para isto uma mente patologicamente fria, intelectual. O romance policial intelectualista tem expandido nestas últimas décadas um subgênero importante: romances onde os detetives precisam reconstituir e entender a personalidade de um serial killer. O serial killer tornou-se o vilão preferencial dos nossos tempos. Uma figura composta, em partes iguais, de inteligência excepcional, egoísmo, sadismo, desprezo patológico pela vida humana.