quarta-feira, 17 de setembro de 2014

3606) O verdadeiro céu (17.9.2014)



Quando o odor de óleo queimado retornou, Ektor e o Blue Duo aproveitaram o intervalo entre a lavagem dos dutos e seu reenchimento e os escalaram ao longo de uma tarde. Eram os vinte metros que os separavam do Chão.  Os pais deles tinham nascido dendicasa, no Abrigo. Já os avós eram crianças quando o ar do Chão ficou venenoso e todos desceram para sempre para o Subchão. One Blue tinha um mapa. Imagina, dizia ela, linda, mostrando a Ektor, um pé-direito altíssimo todo preto, como o das câmaras de estoragem.  E essas punctiluzes chamadas estrelas.  Hubs de energia.

Vinham subindo há quase duas semanas, de andar em andar, de poço em poço, de um mecanismo de tração para outro, sempre olhando a temperatura e pressão nos reloginhos. Two Blue era técnico.  Desenroscava parafusos com a ponta dos dedos, tinha um extrator de senhas, dava nó em cordas.  Ektor tinha apenas um mapa, mas o sabia de cor.  As Constelações, explicava ele. Elas têm formato, cada uma tem toda uma história por trás. Heróis, animais, seres mitológicos.  Não são meros pontos. One Blue bocejava, esperando a próxima janela de passagem.  Ele recitava o mnemo: “Mamãe, vendi telescópio, mas já surgiu uma Nova”. E cantarolava: Orion, Cisne, Hércules, Ursa Maior, Via Láctea...

Se fossem pegos durante a fugida (o plano era voltarem antes do fim das férias, sem a Guarda perceber) seriam presos. Mas era um roteiro de evasão nunca tentado, era concepção e execução deles dois.  Ektor era mais novo e foi junto porque era amigo, e porque insistiu. Tirava da mochila o largo mapa quebradiço e olhava. Uma balança gigante, uma mulher de cabelos longos derramando no chão as águas de uma concha, um lacrau maior que uma trirreme, uma cruz de verdade erguida na abóbada do céu.

Chegaram. Pelo horário deles, era hora de estarem na Academia dormindo.  Na hora da superfície (bastava uma conta) era perto de meia-noite. One: “Nosso país é um altiplanalto límpido e deserto.  Não há mais as fáctores, os fogos pararam há de-muito, o céu deve estar cristalclaro.”  Nisso Two os chamou; tinha liberado o acesso.

Subiram um poço de tijolos pegando-se em ganchos enferrujados, até uma borda final que os expeliu.  O vento noturno era áspero, mas menos frio do que lá embaixo. O que os entonteceu foram os cheiros, muitos e conflitantes. Deitaram-se olhando para cima.  Aí estão, iguaizinhas, disse One depois de muito tempo.  Mas onde estão? perguntou Ektor. Pela primeira vez ela, a linda, dignou-se a relancear o olho pelo mapa que ele tinha voltado a desdobrar.  Rebatou a página negra com as figuras azuis cravadas de pontos amarelos, e riu.  Two, pia só o que o lek pensava que ia ver.