quarta-feira, 23 de março de 2011

2511) O bloqueio criativo (23.3.2011)




Reza a lenda que quando Charles Chaplin estava filmando Luzes da Cidade embatucou numa cena que não conseguia resolver. 

O filme era mudo. Ele queria fazer Carlitos conhecer uma moça cega que vendia flores na calçada, e precisava fazer com que ela pensasse que ele era rico. Era preciso bolar uma pequena cena que criasse (de preferência sem diálogos) esse pequeno equívoco do qual dependia o desenrolar da história. 

A equipe estava toda a postos, centenas de técnicos e atores, recebendo diárias, alimentação, etc. E Chaplin não filmava. Todo dia ficava andando no “set” pra lá e pra cá, sem conseguir ter uma idéia (e certamente se amaldiçoando por não ter contratado um roteirista). 

O prejuízo aumentava a cada dia. Até que ele teve a idéia de fazer os carros ficarem parados num sinal e Carlitos, que atravessava a rua, cortar caminho por dentro de uma limusine: ele abre a porta, entra, atravessa o banco traseiro, sai pela outra porta, bate a porta atrás de si e, na calçada, começa a conversar com a moça cega. Como ela identificou o som da porta da limusine, pensou que estava falando com o dono dela. E as filmagens foram retomadas em paz.

Li agora um relato de quando William Friedkin, arrogante e inseguro, começou a filmar O Exorcista

O primeiro plano no primeiro dia de filmagem era de um bacon fritando no fogão, e a câmara recuava para mostrar a cozinha. Só que o cenário tinha sido construído sem atentar para esse recuo. Não havia espaço para a câmara se afastar do fogão. 

Friedkin parou a filmagem, e mandou construir outro cenário. A cena foi feita, mas Friedkin implicou com o bacon, que ficava enrolado rapidamente ao ser frito. Reunião. Debate. Alguém observou que era um bacon com conservantes, e a filmagem parou de novo enquanto um contrarregra ia procurar bacon sem conservantes (coisa rara em 1972). 

Diz o autor do livro: “Friedkin avançava tão lentamente que quando um integrante da equipe voltou ao set após uma licença de três dias por doença, o diretor ainda estava na mesma tomada”.

Episódios assim são geralmente arquivados na pasta “Perfeccionismo”, mas há muitas outras coisas envolvidas. 

No caso de Chaplin, um certo pendor pelo improviso, gerado no tempo do cinema mudo, em que um roteiro era apenas um resumo de vinte ou trinta linhas, e tudo o mais era resolvido no momento da filmagem. Quando a produção cresce (e os problema colaterais se multiplicam), nem mesmo um gênio improvisa com a mesma fluência de antes. 

No caso de Friedkin, juntavam-se a arrogância cineclubística de querer fazer a imagem perfeita (sonho que os diretores pragmáticos e realistas abandonam bem depressinha) e a megalomania dos que querem que o mundo inteiro pare enquanto eles mudam de lugar um alfinete. 

Este é um cacoete de grandes diretores como Kubrick ou Welles que diretores menores mas ansiosos, como Friedkin, procuram imitar, porque acham que é ali que se oculta a genialidade deles. (Não é.)