Vi uma postagem numa rede social, numa troca de idéias entre tradutores, comentando um livro que traduziu assim um título em inglês: A História das 40 Horas de Devoção em uma Casca de Noz. O original deve ser algo como The History of the 40 Hours’ Devotion in a Nutshell. A expressão “in a nutshell” tem o sentido de: “de forma resumida, de forma compacta, em poucas palavras”. Talvez tenha origem na famosa frase do Hamlet de Shakespeare: “O God, I could be bounded in a nutshell, and count myself a king of infinite space—were it not that I have bad dreams.” Algo como: “Oh, Deus, eu podia ser trancado numa casca de noz e me considerar um rei dos espaços infinitos, não tivesse os sonhos maus que tenho”.
Dessa
fonte clássica, talvez, veio a expressão popular “in a nutshell”, ou quem sabe
ela já era popular no tempo do dramaturgo. Em todo caso, é uma dessas frases
feitas, em torno de uma imagem fortemente concreta, de que a língua inglesa é
rica. “Money makes a hole in his pocket” poderia ser traduzido por “dinheiro na
mão dele é vendaval”, mas a imagem física da frase original suportaria ser
vertida diretamente. (Ressalva: o personagem estaria deixando de dizer um
clichê banal, e dizendo uma frase aparentemente fora do comum.) “I put my foot
in my mouth yesterday” é mais visual do que, e tão coloquial quanto, “rapaz, eu
ontem paguei o maior mico”.
Expressões
populares tipo provérbios, comparações, frases feitas, aforismos, usam muitas
vezes de uma força imagética que tanto tem de vívida quanto de meio sem
sentido. Falar de corda em casa de enforcado?
Cor de burro quando foge? Contar
com o ovo no cu da galinha? Pegar ar
(=irritar-se)? E quando a gente traduz expressões estrangeiras, elas têm
expressões de função equivalente em português, mas usando imagens completamente
diversas. E algumas dessas frases, traduzidas com aquela literalidade de Millôr
Fernandes em The Cow Went to the Swamp, ficam muito engraçadas, porque
ninguém as diz assim em português.