Minha mãe vivia fazendo bolos, tapiocas, cocadas, um monte de quitutes caseiros que requeriam coco. E toda vez que ela pegava um coco para partir perguntava aos filhos que estivessem por perto: “Vai querer a água ou a flor?”
Eram duas opções irresistíveis, profundo dilema filosófico, daqueles de travar a placa-mãe de qualquer filho. Partido o coco, a água era recolhida num caneco e entregue a um, enquanto outro recebia a “flor”, ou seja, a primeira raspagem da carne branca e úmida que o coco guarda em seu interior.
Coco ralado já é uma coisa gostosa; avaliem a primeira raspa, a raspa daquela superfície molhada, macia, ainda guardando a leve carnosidade que tem a polpa do coco verde. Depois de raspada a flor, o resto do coco, conquanto saboroso, não tinha o mesmo frescor, não trazia a mesma brisa ao paladar.
Chamem-me pseudo-intelectual, se quiserem, mas acho que com os livros se dá algo parecido. Quando descobrimos no balcão ou na prateleira um livro que nos atrai e o compramos, tudo nele ainda tem o sabor de novo.
E nada se compara àquele primeiro contato quando, na tranquilidade do gabinete de leitura, abrimos o pacote e podemos por fim examiná-lo devagar, folheá-lo, conhecê-lo aos poucos. Examinamos a capa, lemos o texto de contracapa, as orelhas; vamos ao índice, vamos ao índice remissivo quando o há, corremos o polegar pelas folhas, admiramos as ilustrações, lemos um pedacinho aqui, outro ali, saboreamos o prefácio...
E aí ocorre algo curioso. No dia seguinte, quando pegamos o livro de novo, é como se um pequeno encanto já tivesse se desvanecido. O livro não tem mais aquele frescor, aquele gosto de coisa nova.
Para todos os efeitos, não o lemos ainda, mas por outro lado é como se ele já tivesse perdido a novidade. Porque o que ele nos deu, naquela primeira noite de contato, foi a sua flor-do-coco, foi a superfície intacta e virgem de coisa nova, desconhecida, repleta de infinitas possibilidades.
Depois daquela manuseada inicial, depois daquelas primeiras folheadas, o livro perdeu o seu verniz de Desconhecido e de Mistério. Fazia parte do mundo e seus mistérios; agora faz parte de nós mesmos e de nosso bocejante repertório de coisas já conhecidas.
Chamem-me moralista, mas palpita-me que é isto que ocorre também com o Cavalheiro Casanova, com Don Juan e com os demais grandes conquistadores da História. O que eles buscam não é uma mulher, é o verniz de Desconhecido, de Novidade e de Mistério que qualquer mulher traz num primeiro contato; é aquela sensação de frescor de um sabor jamais provado antes, de um sabor que tivesse estado se guardando a vida inteira para ser desfrutado pelo paladar do conquistador. Experimentada a flor, os 99% restantes do coco tornam-se (para eles) redundantes e supérfluos.
O conquistador é um vampiro que não se alimenta de sangue, mas de ineditismo. Sua vida é uma busca incessante de novos amores, não por serem amores, mas por serem novos.