quinta-feira, 5 de agosto de 2010
2312) “Casanova e a Revolução” (5.8.2010)
Há um subgrupo da ficção histórica que eu chamaria de “Encontros Meta-Históricos”, narrativas em que o autor imagina um possível encontro (que não aconteceu na vida real) entre personagens históricos que foram contemporâneos uns dos outros e que, teoricamente, poderiam ter se cruzado nesta ou naquela circunstância. O que teria resultado desse encontro?
O primeiro texto desse gênero que me chamou a atenção foi a peça Travesties de Tom Stoppard, que imagina o que aconteceria se se encontrassem em Zurique três indivíduos que viveram lá na mesma época: Vladimir Lênin, James Joyce e Tristan Tzara.
Casanova e a Revolução é um filme de Ettore Scola (1982) que postula um encontro parecido. O escritor e conquistador Giacomo Casanova, o escritor, polemista e pornógrafo Rétif de la Bretonne e o revolucionário norte-americano Thomas Paine viajam na mesma estrada por onde Luís XVI e Maria Antonieta fogem incógnitos de Paris.
O casal real quer se reunir às tropas anti-revolucionárias prestes a invadir a França para botar a casa em ordem, ou seja, botar o Absolutismo de volta no trono.
Este episódio ficou conhecido como “A Noite de Varennes”, porque foi nessa cidadezinha que o Rei foi reconhecido, preso e recambiado até Paris e, depois, a guilhotina. E tudo que ocorre em volta, na França conturbada pós-Revolução, é visto e comentado por aqueles três personagens, em seu encontro fictício, improvável mas não impossível.
O melhor do filme é Marcello Mastroianni. Velho e decrépito, ele faz o papel de Casanova velho e decrépito. E mostra que velhice e decrepitude não necessariamente cancelam a inteligência e o charme de um indivíduo.
O filme é um “road movie” setecentista, o que parece uma contradição em termos, porque quando falamos em “road movies” pensamos em Dennis Hopper, em Wim Wenders, em cineastas beatniks, em andarilhos hippies. Mas estrada é sempre estrada, e a estrada no cinema serve para o mesmo fim, seja ela percorrida por motos ou por carruagens.
Temos um bloco fixo de personagens que conversam o tempo todo, e enquanto isso a estrada vai passando, o mundo os visita, o país em que estão os cumula de surpresas. Os viajantes veem-se a cada passo desafiados pelos imprevistos do caminho e se safam como podem.
Uma crítica que li sobre este filme de Ettore Scola reclama que há muita conversa e pouca ação; curiosamente isto me trouxe à mente os romances do século 18, que são exatamente isto. Os romances de Voltaire, Sterne, Diderot, Fielding (e os de Casanova e Rétif de la Bretonne) são romances picarescos em que acontecem relativamente poucas coisas, comparadas às quilométricas discussões filosóficas dos protagonistas.
Scola dá ao seu filme esse espírito de época, mais difícil de captar e de realizar do que um simples figurino ou cenografia de época. É uma história feita ao perfil do seu tempo, e ao perfil da obra dos escritores que são seus protagonistas.
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