sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

4019) A Vida e os Tempos de Minotauro Bob (9.1.2016)



(ilustração: Alberto Russo)

Cap. 1 – De como Minotauro Bob explodiu na cena roqueira nordestina à frente de uma banda pegada-no-laço, sem ensaio, sem passagem de som, um mero agrupamento de quatro rapazes destreinados aos quais ele passou uma única instrução: “O tom de tudo é Sol Maior, e a levada é assim, ó”. 

Cap. 2 – De como a repercussão dos primeiros shows foi tamanha que convites para gigs começaram a pipocar nos dois celulares do hirsuto vocalista, e quando ele atendia um dizia para ligar pro empresário dele e dava o número do outro celular, o qual atendia com voz modificada. 

Cap. 3 – De como numa noite de verão o trânsito dos quarteirões em volta do Bar de Zeco, em Serra Redonda, foi bloqueado pela multidão que compareceu ao show de Minotauro Bob e a Banda Asterion, intitulado “O Som é Esse e a Porta é Por Ali”. 

Cap. 4 – De como isto foi apenas o começo de um torvelinho insone de rock ensurdecedor, microfonias, suor, acotovelamento, cerveja morna, pegação, camarins repletos de groupies disfarçadas de repórteres e de repórteres que viravam groupies, e comemorações pós-show mais ruidosas do que os shows propriamente ditos.

Cap. 5 – De como Minotauro Bob inaugurou o costume de, bebida a última cerveja do camarim, pular e cair sentado dentro da caixa de isopor cheia de gelo.

Cap. 5 – De como Minotauro Bob foi pêgo comendo bode guisado numa birosca-com-sinuca no bairro do Tombador e espinafrado por dois cabeludos para quem rock era religião e bode era comida de forrozeiro, e sem parar de mastigar ele pegou os dois e deu uma surra num usando o outro de chibata.

Cap. 6 – De como Minotauro Bob se apaixonou por Suze Leruá, astróloga, tatuadora, com lojinha na rua Índios Cariris, e os dois se envolveram num fetiche sexual zumbidor, pintando sereias por cima de caveiras da SS, transformando a cara de Bowie num cybercamaleão e por aí vai.

Cap. 7 – De como a banda foi contratada por engano para tocar num reveillon num resort tropical na Costa do Sauípe, e com 15 minutos de show os bacanas locais, uiscados até o talo, invadiram o palco de garrafas em punho para interromper uma suposta felação recíproca entre dois roadies bêbados.

Cap. 8 – De como o hospital e a prisão devem ter mexido no software de Minotauro Bob, porque na cadeia ele aprendeu a tocar violão, converteu-se à Psicanálise Quântica, escreveu um livro infantil (tudo isso em dois meses), casou com Suze no dia em que foi libertado, mudou o nome da banda para Rasante de Teco-Teco, emplacou uma música numa novela, ficou rico e está rico até hoje, o que mostra que o mundo pode ser mesmo sartreanamente absurdo, mas que Deus de vez em quando aparece para assinar o ponto.






4018) O poder do sonho (8.1.2016)



O físico John N. Bahcall disse certa vez: 

As descobertas mais importantes trazem respostas para perguntas que ainda não tínhamos condições de formular, e dizem respeito a objetos que não tínhamos como imaginar até então. 

Parece irônico, mas na Ciência a gente muitas vezes encontra a resposta antes de ter uma pergunta para ela. 

Quando Einstein propôs sua Teoria Especial da Relatividade, em 1905, faltava-lhe uma formulação matemática adequada (consta que ele não era um grande matemático; suas descobertas eram mais intuitivas do que formais). Então seu ex-professor Hermann Minkowski mostrou que esse arrazoado matemático já existia, independentemente das descobertas no campo da Física. Era, de certo modo, um raciocínio já pronto e clarificado, só que não tinha aplicação prática. 

Era uma resposta em busca de uma pergunta – que foi fornecida pela Física.

O trabalho criador do cientista (porque um cientista faz outros trabalhos que não são criadores) parece muito com o do artista; ele avança meio cegamente, guiado pela imaginação, associação de idéias, intuição, palpite, obsessão maníaca, o que for. Vai descobrindo coisas que não sabe o que são.  

Uma das melhores descrições desse impulso criador coletivo é de Nietzsche em A Gaia Ciência (1882; trad. Paulo César de Souza): 

Então vocês acham que as ciências teriam surgido e progredido, se os feiticeiros, alquimistas, astrólogos e bruxas não as tivessem precedido, como aqueles que tinham antes de criar, com suas promessas e miragens, sede, fome e gosto por potências escondidas e proibidas? Não veem que foi preciso prometer infinitamente mais do que era possível realizar, para que algo se realizasse no âmbito do conhecimento? 

 

– Talvez, da mesma forma como nos aparecem hoje os prelúdios e exercícios prévios da ciência, que não foram praticados e percebidos como tais, também a religião inteira se apresente como exercício e prelúdio para alguma época distante: ela poderá ter sido o meio singular de alguns indivíduos poderem fruir toda a autossuficiência de um deus e toda sua força de autorredenção. 

 

Sim – é lícito perguntar --, teria o ser humano aprendido, sem a escola e pré-história da religião, a sentir fome e sede de si e encontrar saciedade e plenitude em si? Foi preciso que Prometeu imaginasse antes haver roubado a luz e pagasse por isso – para finalmente descobrir que havia criado a luz, ao ansiar por ela, e que não apenas o ser humano, mas também a divindade fora obra de suas mãos e argila em suas mãos? Tudo apenas imagens do formador de imagens?  -- assim como a ilusão, o furto, o Cáucaso, o abutre e toda a trágica Prometeia dos homens do conhecimento? 




407) Cinco surpresas (7.1.2016)



Em plena crise institucional, com a imprensa pedindo sua cabeça e o embaixador norte-americano garantindo que não haveria intervenção, o Presidente da Ruritânia convoca uma reunião extraordinária com todo o seu Ministério. Ao tomarem assento no Salão Azul, ele percebe a presença de três ou quatro cavalheiros que nunca vira mais gordos. Chama o Ministro da Casa Civil, faz-lhe a pergunta, discretamente, e recebe como resposta: “São os novos Ministros que o senhor vai empossar amanhã”.

Ferdinando teve uma crise súbita de labirintite e saiu do escritório no meio da tarde. O celular da esposa dava desligado ou fora de área. Ao entrar em casa, ouviu ruídos, e depois um silêncio esquisito. Foi direto ao quarto, abriu a porta. A esposa estava nua, pulsos e tornozelos atados às colunas da cama. Ele teve um sobressalto de susto e ela gritou: “Primeiro de abril!!!”. Estavam em meados de setembro.

Flávio estava elaborando um documento jurídico qualquer, e precisou do Dicionário Latino, no qual não pegava desde o tempo da faculdade. Ao folhear o volume, caíram de dentro dele os dois ingressos para o show de Bob Dylan no Imperator, em 1991, os mesmos ingressos que anos antes ele procurara em vão nos bolsos, esbaforido, apavorado, diante dos olhos blasê da possível namorada que logo em seguida deu um muxoxo, pegou um táxi ali mesmo e sumiu para sempre.

Aos 17 anos, Fábio Luís ainda era obrigado pelos pais a ir a todos os lugares onde eles iam. Naquela noite foram ao aniversário de um tio, cinquentão e divorciado. Durante as intermináveis rodadas de pizza diante da TV e do “Fantástico”, o tio segredou ao seu ouvido: “Tá a fim de um fuminho? Bora lá no quintal”. Ele esperou alguns minutos depois do tio sumir e se esgueirou sem ninguém ver, por entre a escuridão cheia de goiabeiras. Encontrou o tio junto à parede de um depósito de lenha. Sussurrou: “E aí, cadê o bagulho?”. O outro o abraçou soluçando: “Não tem bagulho, tem amor, somente amor, para quem aceite ser amado.”

Sebastião foi arregimentado para botar sanfona em duas ou três faixas de um álbum da banda Asa Amarela. Tímido, foi apenas no último dia que ele criou coragem para mostrar ao líder do grupo, Arleysson Pantera, seu forrozinho inédito “Volta Meu Bem”. Foi tiro e queda, aprovação unânime, tudo a ver com o repertório, a banda aprendeu na manhã seguinte, a música foi gravada à tarde. Um mês depois, Sebastião viu na vitrine da loja o CD, e nem esperou que alguém lhe mandasse um, entrou e foi logo comprando, rasgando o celofane, inebriado pela felicidade de ver pela primeira vez seu nome como autor de uma música gravada profissionalmente num disco de verdade.