terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

2804) “Hugo Cabret” (28.2.2012)



Filmes de celebração ao cinema são um subgênero especial da arte cinematográfica. Narcisismo umbilical? Conspiração nostálgica? Sentimentalismo para eleitos? Talvez quem faça filmes assim esteja querendo, às vezes, injetar um pouco de sonho e de fantasia em algo que foi só fantasia e sonho no passado, mas a partir de certa idade tornou-se (para diretor, roteirista, atores, técnicos) apenas profissão, obrigação a mais, caminho sem escolha. Fazer filmes sobre “a magia do cinema” é uma tentativa de recuperar o frescor e a alegria dos começos felizes.

Este filme de Martin Scorsese, baseado num livro de Brian Selznick, aborda o cinema por vias transversas: mecanismos de relojoaria, autômatos, um misterioso livro manuscrito… Em cenas cruciais do filme os personagens trocam entre si as palavras “mistério” e “aventura”, e sorriem, como se uma senha tivesse sido fornecida e aceita. É um filme de jovens-adultos na linha de O enigma da pirâmide (“Young Sherlock Holmes” de Brian Levinson) mas também um filme para adultos-jovens na linha de Amélie Poulain de Jean-Pierre Jeunet. Sua homenagem ao cinema mudo vai se desvelando a partir da metade da narrativa, mas os autores não esquecem de fazer menção à literatura aventuresca (Alexandre Dumas, Julio Verne) cujo espírito recupera. É mais que adequado que um filme sobre Georges Méliès, o criador dos efeitos especiais do cinema mudo, seja feito em 3-D, reconstituindo a reação espantada das platéias e refletindo-se, na narrativa, naquelas longas sequências de perseguição e rápidos deslocamentos que não têm outro propósito senão o visual. O movimento cinematográfico é algo como uma melodia: umas pessoas sentem beleza nisso, outras não. Reclamar das vertiginosas perseguições deste filme em 3-D é como reclamar das iluminuras medievais e dizer que nada acrescentam ao texto bíblico.

O filme é longo e poderia contar a mesma história com 15 minutos a menos; imagino que Scorsese fez de propósito, para bater de frente com a montagem-relâmpago de hoje em dia. Quis uma montagem analítica, como a prosa de Dumas ou Verne. Se a montagem é lenta, é a câmara que é rápida, voando como uma seta, uma bala teleguiada, através de “tableaux” sucessivos e minuciosos como a arte da Belle Époque. Seu filme é uma homenagem ao Cinema, arte híbrida de química, ótica e mecânica. Uma arte que reúne os amantes de relojoarias, lanternas mágicas, diafragmas e íris, imagens impalpáveis, criaturas artificiais, sonhos, pesadelos, monstros de papelão, lâmpadas, desenhos que se movem, fantasmagorias, ectoplasmas, cavernas de Platão, ilusionismo, prestidigitação, imaginação, memória, aventura e mistério.