sexta-feira, 20 de julho de 2012

2929) Mostrar a morte (21.7.2012)



(Jean Simmons e Richard Burton, O Manto Sagrado)



Do ponto de vista da dramaturgia do cinema, não existe cena mais importante do que a morte do personagem principal, desde, é claro, que ela seja exigida pela história. Mostrar a morte de um personagem importante sempre foi um motivo para que o fragor da batalha amainassse e se transformasse num mero marulhar ao fundo, enquanto o moribundo tinha direito a um monólogo final, e a um comentário rude mas sincero dos companheiros, logo após a cabeça tombar-lhe para sempre.  A morte era o grande momento, não só do personagem como do ator/atriz.

Como mostrar de outra forma? Quando o casal de cristãos condenados por Calígula às feras se encaminha para os portais que os conduzirão à arena, aparecia na tela o "The End" que ninguém aceitou (eu, pelo menos, não). O filme era O Manto Sagrado de Henry Koster (1953), que vi quando teria menos de dez anos, e aquela foi uma maneira de interessante de mostrar a morte, porque não vendo meus heróis morrerem eu seria condenado de certa forma a ficar imaginando a morte deles pelo resto da vida.  E de certo modo o filme se interromper antes daquela cena nos lembrou que com a vida acontecerá o mesmo.  Vai se interromper simplesmente, sem se completar.

Não sei se é coincidência, mas o filme de Koster se intitula The Robe; em 1948 Hitchcock tinha feito Rope (“Festim Diabólico”), sobre um assassinato que era o contrário: acontecia na primeira cena do filme. O filme começa com dois rapazes enforcando um terceiro, escondendo-o num baú, e servindo em cima desse baú um jantar para um grupo de amigos: o filme tem a duração desse jantar.  Hitchcock aperfeiçoou esse recurso ao fazer em 1960 Psicose, que teve como uma das principais heresias (para a bolsa de valores estéticos da época) o fato de que a atriz principal, Janet Leigh, morria a cerca de um terço da duração total do filme. 

Outro filme que abre com uma morte é (pelo que me disseram) Irreversível, o filme francês sobre dois amigos que se vingam do estupro da namorada de um deles.  É sempre uma maneira forte de começar uma história.  Rachel de Queiroz tem um romance em cuja primeira frase uma peixeira é enterrada na barriga de um personagem.  Mas é um personagem secundário.  Sua morte não é tão tragicamente banalizada quanto a do protagonista de Onde os Fracos Não Têm Vez dos irmãos Coen, onde a câmara, depois de acompanhá-lo durante o filme inteiro, chega atrasada ao local do crime, ainda a tempo de ver a fuga dos assassinos; mas quando entra no quarto o herói do filme já está morto. Talvez seja mais cruel (para o personagem) do que a morte offstage dos cristãos no começo do Cinemascope.

2928) Política sertaneja (20.7.2012)




“É por isso que Cruz do Cavalcanti é um lugar que nunca irá pra frente.  Não tem como.  Não é porque seja um lugar ruim, ou um lugar de gente que não presta, ou então porque exista (como já foi sugerido em plena Câmara Municipal) que exista uma caveira de burro enterrada embaixo do piso de mármore do Salão Nobre da Prefeitura.  Nada disso.  

"O problema de Cruz (como chamamos nossa querida terrinha) é um problema de ordem matemática. Este artigo é o décimo-quinto que escrevo sobre este tema; como é o primeiro a ser publicado por outro órgão que não o meu blog “Cruz Credo”, tentarei ser o mais objetivo possível.

“Aqui em Cruz, as famílias se resumem a três principais, os Cantídios, os Magela e os Noratos. Há cento e cinquenta anos que no município ninguém solta uma bufa sem autorização de um dos três.  Na primeira vez que eu votei para prefeito, votei no candidato dos Magela, que tinha dado um emprego a meu primo.   Ele ganhou.  

"Quatro anos depois, candidatou-se de novo.  Mas aí os Cantídios e os Noratos apararam arestas entre si, e se mobilizaram por um candidato único, Jurandirzinho.  Ex-supervisor de minha irmã no Controle Ambiental.  Votei nele, e ele ganhou. 

“Vida que segue.  Mas Jurandirzinho (que na verdade era de fora, e entrara nos Noratos por vias conjugais) começou a incomodar muita gente.  Ficou muito espaçoso, muito minha-própria-turma.  Na eleição seguinte, os Cantídios e os Magela começaram a conversar, a conversar, acertaram os ponteiros, e lançaram um candidato, Professor Absalão.  

"Votei nele, claro, mesmo sendo ele um Cantídio de sangue e de tinta, por todos os laços imagináveis.  Tudo que eu sou devo a Professor Absalão.

“Inclusive o emprego que ele me conseguiu em seguida, na Secretaria de Relações Humanas, não é?  Mas o fato do poder municipal estar nas mãos dos Cantídios incomodou, mais do que a qualquer outro, aos Magela.  Era preciso um candidato de consenso, e desta vez  os Magela se aliaram aos Noratos para impedir que o professor se reelegesse.  

"Conseguiram isso com o artifício (bastante hábil, reconheço), de lançar o nome de Dona Zizinha Combé, viúva de um comerciante muito ligado aos Magela, morto num acidente. Até capelinhas já havia em seu nome.  A campanha foi no tom religioso e emotivo.  O que posso dizer?  Votei em D. Zizinha, e ela ganhou.

“Todo dia chego aqui às 11 (em vez de 8:00), brinco no Twitter, leio os jornais, e vou tomar cafezinho na esquina.  Não devo nada aos Magela, tá sabendo?  Eles não me botaram aqui. Não devo nada a ninguém.  E tem mais, político tem mais é que ter medo de mim, porque eu nunca votei num candidato pra ele perder."