Uma vez um jornalista meio esperto questionou um músico da
banda Sepultura, perguntando: “Você acha que as platéias conseguem entender as
letras das canções que vocês estão urrando?”
E ele disse: “Rapaz, quem vai num show da gente já sabe aquilo tudo de
cor”. Disse bem, porque quando estou vendo um show realmente grande, com som de
estrondar, uma das coisas que mais gosto é de cantar a plenos pulmões. Não para
ser ouvido. Canto pelo prazer de cantar, que faz tanto bem ao corpo e à mente
quanto dançar. Nem toda música é para berrar junto, claro. Mas a
música-de-berrar-junto tem propriedades terapêuticas que são só suas.
E mais uma coisa. Eu diria que 90% das pessoas no mundo são
bastante desafinadas. Não, digamos: dois terços. Não, digamos: mais da
metade. Enfim, os desafinados devem ser
maioria, e quando largados ao seu próprio entusiasmo para puxar um
parabéns-pra-você acabam, como disse Torquato Neto, desafinando o coro dos
contentes. Mas essas pessoas num show de rock podem se esgoelar em “Jumpin’
Jack Flash” ou num show de samba com “Foi um Rio que Passou na Minha Vida” sem
pagar mico algum, porque o som é ensurdecedor e o cara pode até dar uma
viajada, e achar que aquilo que está saindo das caixas de som é ele que está
emitindo.
Experiências de campo, conduzidas em condições de rígido
controle, me provaram que em mesa de bar, bloco de carnaval e torcida de
futebol para cada 100 pessoas cantando basta haver umas 20 ou 30 de gogó
possante e afinação segura. Essas pessoas puxam o canto sustentando um padrão
tonal contínuo, e as vozes mais semitonantes acabam meio que se aglomerando à
sua volta. Se esses 20 ou 30 pararem juntos, desanda tudo. Fiz a experiência.