O primeiro grande spoiler da minha vida literária foi num texto que hoje reencontrei meio por acaso. Para quem não sabe, spoiler é aquela revelação indesejada que estraga o prazer de uma narrativa: “O assassino é o Doutor Fulano.” Na arte da narrativa, contudo, existem surpresas, segredos e mistérios de toda natureza. Eu via desde menino na estante da minha casa o Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa, que já tinha folheado por curiosidade, mas considerei impenetrável. Sagarana eu consegui ler alguma coisa antes dos doze anos; mas aquele ali era proibitivo. Eu tinha apenas uma vaga noção da história e dos personagens.
Anos depois, li num jornal ou revista esta resenha/carta de
Manuel Bandeira, de março de 1957, endereçada a Guimarães Rosa, e exprimindo as
primeiras emoções de Bandeira diante da leitura do livro. Como é inevitável, Bandeira se dirige ao
autor meio que adotando a voz narrativa de Riobaldo, uma contaminação
inevitável a qualquer leitor bom de verbo que tenha acabado de receber aquele
choque monumental de palavreado de alta voltagem. (Aqui, a carta inteira: http://tinyurl.com/otpawfr).
E a certa altura Bandeira dizia: “E o caso de Diadorim,
seria mesmo possível? Você é dos gerais, você é que sabe. Mas eu tive a minha
decepção quando se descobriu que Diadorim era mulher. ‘Honni soit qui mal
y pense’, eu preferia Diadorim homem até o fim. Como você disfarçou bem! nunca
que maldei nada.”
Eu li isso, ergui os olhos da página para a parede em
branco. Então o tal do jagunço
Diadorim, brabo e feroz, que eu já vira aparecer no texto, era uma Joana
d’Arc! Uma donzela guerreira! Como na época eu não tinha a menor intenção
de ler o livro, dei de ombros e fui em frente.