quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

1459) “Santiago” (16.11.2007)



Este documentário de João Moreira Salles tem como tema aparente a vida do ex-mordomo de sua família. Como muita gente sabe, o diretor é filho do banqueiro e diplomata Walter Moreira Salles, fundador do Unibanco, que foi embaixador do Brasil nos EUA e ministro da Fazenda no governo João Goulart. João, juntamente com seus irmãos (entre eles Walter Salles, o diretor de “Central do Brasil”), foi criado na mansão da família no bairro da Gávea, no Rio. Durante toda sua infância e adolescência, o pai manteve uma intensa vida social com jantares e recepções formais a políticos, artistas e “socialites” brasileiros e estrangeiros. Recepções em que o mordomo Santiago, nascido na Argentina, era o maestro, arranjador e regente.

Os filhos cresceram e foram embora, o embaixador faleceu, a família se dispersou, e a mansão da Gávea transformou-se na sede do Instituto Moreira Salles, onde há galerias de arte, um arquivo de material áudio-visual e uma sala de cinema. O filme de João Moreira Salles começa mostrando a casa e recordando os tempos da infância; depois vai a um pequeno apartamento de Copacabana e entrevista o mordomo Santiago, agora aposentado, o qual compartilha com a câmara as suas recordações.

Esta era, pelo menos, a idéia original do filme conforme João o concebeu há cerca de 15 anos. Depois de longas entrevistas com Santiago, o projeto foi arquivado. Não avançava. Não se resolvia. O diretor achava que havia alguma coisa errada. Santiago faleceu. E de repente o diretor retomou a idéia original, mas em vez de concluir o filme que tinha em mente no passado fez uma reflexão sobre ele, sobre Santiago, e sobre si próprio. Eis porque o título oficial do filme, hoje, é Santiago – Reflexão Sobre o Material Bruto.

Descrever em detalhe o que acontece no filme seria impossível no espaço desta coluna, e tiraria do espectador o prazer de assistir à simultânea construção e desconstrução de um filme diante dos seus olhos. João Moreira Salles exibe e critica o material que filmou, as perguntas que fez, as respostas que conseguiu, o modo como impôs no passado, sobre o pobre mordomo argentino, a dupla autoridade de Patrão e Entrevistador sobre um mero Serviçal e Entrevistado. Se em alguns momentos Santiago é visto de um modo pouco favorável, meio que “pagando um mico”, o constrangimento não respinga sobre ele, e sim sobre o diretor que exigiu dele que “fingisse ser natural”.

“Santiago” é um meta-documentário sobre João Moreira Salles e sua impossibilidade de fazer um filme sobre seu ex-mordomo (que ainda o chama carinhosamente de “Joãocinho”). Há uma despersonalização reforçada pelo fato de que a narração na primeira pessoa (“Quando comecei a fazer este filme sobre a minha infância e a casa onde a vivi...”) a voz que escutamos não é a do próprio João, e sim a de seu irmão Fernando. O filme é a crítica de um filme que não foi feito e a crítica do diretor que não conseguiu fazê-lo. Não há muitos assim.

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