(Zé Lins, por Baptistão)
Num comentário sobre os romances do “ciclo da cana-de-açúcar” de José Lins do Rego, o saudoso presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, assim se expressou: “José Lins do Rego consignou um dos fenômenos sociais mais típicos da civilização latino-americana no século XX, e, com isso, deu vida a uma galeria de tipos psicológicos que ficarão para sempre em nossas letras”. É um juízo elogioso com o qual concordo em princípio, só que eu reverteria a ordem do argumento. Eu diria assim: “José Lins do Rego deu vida a uma galeria de tipos psicológicos que ficarão para sempre em nossas letras, e, com isso, consignou um dos fenômenos sociais mais típicos da civilização latino-americana no século XX”.
Parece bobagem, mas não é. Se Zé Lins conseguiu reproduzir em seus romances o que era aquele mundo dos Engenhos, que ele conheceu tão de perto, foi devido a sua capacidade de criar personagens e mostrá-los em sua relação profunda com o ambiente. Ao contrário da ficção sociologizante, que parte sempre de conceitos gerais como se lidasse com uma vasta equação matemática, Zé Lins reconta as histórias individuais dos moleques, das iaiás, das negras velhas, dos cambiteiros, de todas aquelas pessoas que marcaram sua memória, e, por entender em retrospecto (depois de adulto, depois de muitas leituras) a história social que aconteceu ali, ele consegue partir, como rezam os manuais literários, “do particular para o geral”.
Hoje em dia essa ficção sociologizante, que teve um peso tão grande nas décadas do meio do século passado, está em baixa. Com o afrouxamento das ideologias de esquerda (que em grande parte sobrevivem apenas no meio universitário) os jovens literatos não têm preocupação alguma em “retratar condições sociais”. Não lhes falta assunto porque falam do seu umbigo, que por sinal é mais vasto do que seu vocabulário, então fica tudo em casa. Mas para quem quer ler os autores das gerações precedentes, é preciso entender que a literatura se dava então num outro “horizonte de expectativas” em que Autores, Leitores e Críticos avaliavam os livros de acordo com outros critérios.
Naquele tempo, escritores de esquerda bem-intencionados pretendiam descrever ambientes sociais de acordo com descrições generalizantes como “os intelectuais da pequena burguesia urbana apóiam os operários ms têm que enfrentam o conservadorismo dos camponeses, além do papel ambíguo da Igreja, que se divide entre o assistencialismo e o conformismo...” Munido de generalidades assim, os autores obrigavam os personagem a se comportar de acordo com tais abstrações, e o resultado eram personagem mecânicos, repetitivos. Zé Lins fazia o contrário. Tinha espírito de escritor capaz de desenhar cada árvore individualmente, sem perder de vista o modo como todas elas se juntavam para formar a floresta. Quem começa desenhando a floresta, jamais vai saber fazer uma árvore.
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