quinta-feira, 22 de outubro de 2009

1308) I love America (23.5.2007)




A classe média brasileira experimenta há séculos um imenso movimento migratório mental rumo a outras culturas e outros estilos de vida que ela procura adotar como modelo, para limpar de si a sujeira de brasilidade que a contamina desde o nascimento. Quando o brasileiro começa a ganhar um dinheirinho a mais, toda sua ascensão social se volta para o estrangeiro. No começo do século 19 era Portugal, cem anos depois era a França, hoje em dia são os Estados Unidos. São culturas que imaginamos superiores à nossa: mais antigas, mais nobres, mais eruditas, mais elegantes, mais poderosas...

No caso da cultura norte-americana, sua sedução não é a antiguidade ou a sofisticação, e sim o poder do dinheiro e a superabundância de posses e lazeres que ele proporciona. Abrimos mão de aprender com os americanos algumas coisas positivas que eles têm – o profissionalismo, o respeito aos ofícios braçais e manuais, a simplicidade na linguagem (nosso linguajar acadêmico, um paródia opaca e atravancada do alemão e do francês, teria muito a aprender com a clareza norte-americana), a crença na autonomia e na liberdade individual. Em vez de imitar isto, imitamos o que os americanos têm de mais vulgar: a frivolidade, o consumismo, a passividade mental diante das telecomunicações, o provincianismo que se traduz em desprezo e desinteresse por diferentes culturas e diferentes maneiras de ver.

Quando uma loja brasileira em liquidação coloca um letreiro de “SALE” ou quando uma pizzaria anuncia “DELIVERY” na esquina estão na verdade querendo tornar-se membros de um clube que sempre os rejeitou. Nossos coleguinhas da América do Norte acham que somos plantadores de banana ou trepadores de coqueiro, mas, quem sabe? Talvez, se descobrirem que sabemos usar os termos ingleses com propriedade, percebam que somos seres humanos e civilizados iguais a eles, e facilitem nosso visto de entrada. Talvez, até, ingressos grátis para a Disneyworld – que aqui no Brasil nossa imprensa chama “a Disney”, com aquela pseudo-intimidade de gente inferior querendo se enturmar.

Quem vos diz isto, caros leitores, não é um nacionalista radical, nem um americanófobo. Conheço e amo a cultura norte-americana mais do que grande parte da própria população deles. São um povo grande e admirável. Nós também poderíamos sê-lo, mas preferimos a atitude bajulatória e subalterna de achar que, por serem eles grandes, são a única forma acessível de grandeza. Quem ama a cultura americana como eu amo sabe a dificuldade que eles tiveram para fugir da sombra da Literatura Inglesa, do Teatro Inglês, da Música Européia em geral. Criaram (não sem conflitos, não sem sofrimento) coisas como a ficção científica, o jazz, o filme de faroeste, o romance policial “noir”, as novelas gráficas, o rock, o filme musical. Têm sua linguagem própria, sua visão-do-mundo própria, e devemos admirá-los por isso. Macaquear e adular os outros, e ter vergonha de nossa própria cara, isso jamais.

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