sábado, 10 de janeiro de 2009

0732) As 7 histórias fundamentais (23.7.2005)



De seis em seis meses, um professor de Literatura ou um roteirista de cinema publica um livro enumerando “As 7 histórias fundamentais”, ou “Os 18 enredos básicos”, ou “As quatro situações dramáticas” ou “Os 11 elementos narrativos”. Variam as quantidades, varia a receita, mas a intenção é sempre a mesma: fazer com as idéias narrativas o mesmo que os químicos fizeram com os elementos, os astrônomos fizeram com os planetas, e os zoólogos e botânicos fizeram com as espécies animais e vegetais. Nestes casos deu certo, em outros nem tanto: aí estão até hoje os coitados dos físicos tentando recensear partículas, e coçando a cabeça ao perceber que ao recenseá-las acabam inventando-as.

Algumas coisas são contáveis, outras não. Aprendemos na escola que algumas grandezas são descontínuas, como maçãs, laranjas e pirulitos; e outras são contínuas, como a areia, a água e o ar (se bem que grãos de areia, gotas dágua, etc., são grandezas descontínuas, e há uma importante sutileza envolvida nesta distinção). Para mim, esse papo de “partículas subatômicas” é um beco sem saída, porque a impressão que tenho é de que o que eles chamam de partícula não passa de um corte transversal numa onda (assim como, na Geometria, um ponto pode ser interpretado como uma linha vista de frente).

Mais inútil ainda é esta tentativa de codificar situações dramáticas ou “plots” básicos. Em alguns casos, surgem rótulos como “Combater o Monstro”, que serve para definir tanto Moby Dick quanto Drácula. Mas para mim estas mesmas narrativas poderiam se encaixar noutros rótulos. Moby Dick poderia, por exemplo, ser classificada como “A Viagem do Aprendiz”: todas aquelas narrativas em que um sujeito jovem e inexperiente (Ismael) se engaja numa viagem ou jornada liderada por indivíduos maduros e experientes, durante a qual alcançará a maturidade emocional e o conhecimento do mundo. A esta mesma categoria pertencem obras (e personagens) como A Companhia Branca de Conan Doyle (a história de Aleine Edricson), O Nome da Rosa (Adso de Melk), O Senhor dos Anéis (Frodo), A Ilha do Tesouro (Jim Hawkins) e Guerra nas Estrelas (Luke Skywalker).

Poucas narrativas se enquadram em apenas uma categoria; geralmente são contos ou fábulas. Narrativas complexas como romances ou filmes têm uma sucessão de temas entrelaçados, e assemelham-se às obras sinfônicas. Mas a tentativa de classificar as situações dramáticas essenciais acaba nos mostrando que algumas delas se repetem em obras de natureza muito diferente – como Inteligência Artificial de Spielberg e o Pinóquio. Mais interessante ainda é quando começamos a descobrir que tais situações são como as partículas sub-atômicas: quanto mais mexemos nelas mais elas se multiplicam, e mesmo as que já conhecemos acabam ficando diferentes quando as olhamos de lado, ou contra a luz. Vamos recenseá-las, não para demonstrar que são poucas, mas para comemorar o fato de serem ilimitadas.

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