sábado, 10 de janeiro de 2009

0731) O núcleo duro (22.7.2005)



Conversávamos sobre política, e alguém falou que tal ou tal atitude era típica do “núcleo duro do PT”. Veio a pergunta: “Aliás, que história é esta de núcleo duro? Por que este nome?” E o filho adolescente de um dos caras, que estava por perto, perguntou curioso: “Esse negócio de núcleo duro é o mesmo que hardcore?” Acharam graça, mas o garoto estava coberto de razão. A palavra “hardcore” (“hard”, duro; “core”, núcleo) é freqüentemente associada a rock-and-roll, mas é um conceito amplo que pode se aplicar a tudo. Daí existir pornografia hardcore, ficção científica hardcore, e assim por diante.

“Hardcore” expressa a essência concentrada de alguma coisa, seja um movimento político ou um estilo de arte. É um núcleo duro, resistente, difícil de partir ou de dissolver. Como aquelas frutas cujo caroço parece uma pedra: um pêssego, uma ameixa, uma manga. Esse núcleo duro é a última coisa que se manterá inteira depois de todo o restante da fruta ter sido arrancado, mastigado, moído, cortado na faca ou no dente. É a última trincheira, a derradeira fortaleza, o último bastião de resistência. São os fundamentalistas.

Comparar esse núcleo com o caroço de uma fruta sugere também outra idéia. É através desse “núcleo duro” que a fruta se reproduz e a espécie se perpetua. Enquanto um único “núcleo duro” sobreviver, será possível a existência de milhões de frutos. O hardcore é, portanto, o repositório do DNA daquele fenômeno a que estamos nos referindo.

Sou péssimo analista político. Não porque seja burro, mas porque sou crédulo, tudo que ouço num discurso eu acredito. Não vou meter minha enxada torta na seara alheia; há gente muito mais qualificada do que eu para interpretar os fatos políticos mais recentes do país. Mas como minha seara é a da linguagem, quero fazer uma sugestão sobre o termo “núcleo duro”.

A imprensa se refere ao “núcleo duro do PT” como sendo aquele grupo de velhos companheiros que até pouco tempo ocupavam posições na cúpula do Partido e do Governo: José Dirceu, Luís Gushiken, José Genoíno, Silvinho Pereira, etc. Não sei se o tesoureiro Delúbio fazia parte desse grupo, porque voto no PT há vinte anos e só agora ouvi falar nele. O que temos visto nos últimos tempos, contudo, me autoriza a considerar que esses senhores não são o “PT hardcore” de jeito nenhum. Não são o caroço, não são a semente. São, na melhor das hipóteses, a casca: aquela superfície exposta e visível, a primeira a ser descartada depois que alguém abocanha o fruto.

O núcleo duro do PT, ironicamente, abandonou o PT: é aquela rapaziada como Heloísa Helena, Luciana Genro e Babá. Lembro que no ano passado sugeri aos repentistas o mote: “Heloísa, Babá e Luciana: / isto é tudo que resta do PT”. Se alguém expressa o PT, com seus erros e acertos, qualidades óbvias e defeitos evidentes, é esse pessoal. Esses, sim, são o núcleo duro do PT. Os outros, bem, os outros estão demonstrando que são políticos profissionais.

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