Um dos maiores equívocos das discussões filosóficas de mesa-de-bar é imaginar que a ciência se baseia apenas na Lógica e a religião apenas na Fé.
Concordo quanto a esta última: todas as religiões procuram desdobrar-se em argumentações para mostrar que estão certas, mas a essência da atitude religiosa é a Fé, a certeza de algo inexplicável, a crença em algo transcendente e impossível de codificar.
O problema é que a ciência procede de um modo muito parecido. A ciência se baseia na Razão, mas um grande problema da Razão é que ela é incapaz de se sustentar por si mesma; ela sempre precisa se apoiar em algum tipo de Fé.
Suas premissas podem se basear no empirismo mais pragmático, ou nas deduções mais impecavelmente lógicas: mas sempre precisam da Fé.
A primeira Fé de um cientista é: “O Universo faz sentido”.
Ele pode achar que não existe um mundo espiritual, pode achar que não há Deus, e que o Universo inteiro é um simples agregado de átomos que se organizam em estruturas de matéria e energia. Mas ele acredita que tudo isto faz sentido, obedece a leis – ou, para ser mais científico, “organiza-se em padrões de regularidade que é possível medir e prever.”
Quando está diante de algo caótico, contraditório, absurdo, o cientista balança a cabeça, teimoso, e continua insistindo em busca de uma lei, uma ordem, um sentido. E geralmente encontra.
Uma outra Fé, ou uma variação da anterior, é: “O Universo é sempre o mesmo.”
O cientista tem uma crença religiosa na continuidade dos fenômenos. Ele acredita piamente que o sol vai nascer amanhã de manhã, e tem mais: vai nascer no Leste, e nunca no Oeste. Quem garante? Para ele, quem garante esta regularidade é justamente o fato de não existir um Deus sujeito a venetas e caprichos, como o Deus bíblico que mandou o sol se deter no céu durante três dias para que Josué pudesse invadir Jericó.
Os cientistas têm uma fé absoluta na inexistência de venetas desse tipo. Pergunte a qualquer um, e ele vai confirmar que sim, o sol vai nascer amanhã, nem que a vaca tussa; e ele dirá isto com uma Fé tão sólida quanto a fé do Papa.
Há uma tribo, acho que são os índios Pueblo, do México, que toda madrugada acorda cedinho e entoa cânticos “chamando” o sol. Eles crêem que o sol só nasce devido a esse seu chamado, e que é responsabilidade deles fazer com que o sol nasça todos os dias, ilumine o mundo, aqueça os corpos, estimule as colheitas.
Os cientistas têm uma fé igualmente sólida no fato de que a matéria-em-movimento se comporta hoje como se comportou sempre, e se comportará amanhã como se comporta hoje.
Daí a enorme crise dos cientistas quando alguém lhes provou que não existe o tempo absoluto, ou que o sol não gira em torno da Terra, ou que era possível desintegrar a matéria e transformá-la em energia. Nada disso era possível antes, mas todas as suas crenças tiveram que ser reformuladas para incluir estes fatos novos, para que estes milagres impossíveis não desmentissem sua fé.
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