(vítima civil em Fallujah)
Zezim Torneira era um garoto que tinha lá no Alto Branco, nos velhos tempos. Segundo a lenda, um belo dia ele estava sentado em cima de um muro, aí escorregou e caiu lá de cima. Por azar, caiu sentado em cima de uma torneira que tinha no pé do muro, uma dessas torneiras baixas onde as pessoas lavam os pés antes de entrar em casa pela porta dos fundos. Zezim caiu sentado em cima da torneira, que não era uma dessas torneiras modernas, redondas, mas daquelas que têm uma haste horizontal, do tipo “borboleta”. A borboleta entrou com tudo no fedesqüepe de Zezim, que sofreu cirurgia, pontos, convalescença, e teve que passar o resto da adolescência ouvindo a toda hora um pirangueiro gritar: “Zezim!... Pega aqui na minha torneira!”
O mais interessante do episódio é que Zezim tomou-se (compreensivelmente) de um verdadeiro ódio ao apelido, e à simples menção da palavra torneira. Ficou como aquele doido chamado Garapa, que quando surgia um cara gritava de um lado: “Água!...” e outro respondia lá adiante: “Açúcar!...” e ele ficava esbravejando no meio da rua: “Se misturar eu mato um!” Pois Zezim era a mesma coisa. Ele vinha pelo Ponto Cem Réis, chegava ali à altura do canal, tinha três ou quatro garotos sentados na ponte, conversando futebol. Quando Zezim se aproximava, havia um certo silêncio... e aí ele enchia a mão de pedras e saía correndo, furioso, cobrindo todo mundo na pedrada. A galera gritava: “Mas ninguém disse nada!” E Zezim Torneira: “Mas pensou!”
Parece familiar, caro leitor? É o conceito georgebushiano de “pre-emptive war”: defender-se antes mesmo do ataque acontecer. Como toda deformação bárbara de conceitos, este se baseia numa verdade indiscutível. No caso, um princípio básico da Medicina (“é melhor evitar a doença do que tentar curá-la depois que acontece”), o qual passou para a sabedoria do povo na forma enxuta e lapidada de “É melhor prevenir do que remediar”.
Transposto para o mundo militar, esse conceito se transforma no que um oficial dos Marines americanos aconselhou aos seus comandados, antes da invasão de Fallujah, dias atrás: “O inimigo pode vir vestido de mulher, pode estar se fingindo de morto. Atirem em tudo que se mexer, e em tudo que não se mexer.” O massacre americano no Iraque não é monstruoso pela quantidade de mortos, mas pela gratuidade da guerra, pela absoluta desnecessidade de uma invasão como esta, e pelo fato de que está se criando naquele país um celeiro de terroristas muito mais perigoso do que o que poderia crescer embaixo da asa de Saddam Hussein.
Atirar primeiro e perguntar depois é uma atitude de quem está desesperado. Não importa se quem está desesperado é justamente o exército mais forte, mais numeroso e mais bem equipado. O desespero deles reside justamente em saber que não têm outro exército pela frente, têm uma população violentada e ressentida, onde é preciso atirar até nos cadáveres. Sabe-se lá no que um iraquiano morto pode estar pensando!
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